15/04/2022, 17:00 h
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Há quase 20 anos atrás, um grupo de chechenos fez reféns cerca de 800 pessoas que assistiam a um espectáculo no Teatro de Dubrovka, em Moscovo. Os sequestradores exigiram a Putin, que retirasse as suas tropas da Chechénia, e que colocasse um fim à guerra.
Dois dias depois, o drama vivido no teatro moscovita teve um fim, as forças especiais russas intervieram, e causaram a morte aos 40 rebeldes e a quase 200 pessoas inocentes. Todos mortos com recurso a um gás tóxico…
Infelizmente nessa altura, eramos todos alérgicos a tudo o que fosse islâmico, e por isso ninguém se solidarizou com os chechenos, nem com os inocentes mortos com armas químicas…
O que importava nesta história, era ter no recém Presidente da Confederação Russa, um homem de pulso duro com os rebeldes das proximidades, e um mãos-largas com o ocidente, libertando os seus recursos fósseis, para que os europeus comodamente se pudessem sentar quentinhos no sofá, enquanto a televisão transmitia mais um jogo da Liga da Campeões, opondo equipas recheadas de dinheiros nada suspeitos de magnatas russos ou árabes, e tudo com alto patrocínio duma famosa empresa russa de gás!
Eram dias maravilhosos, no mundo não existiam guerras, fome, nem pestes ceifando vidas.
Alguns meses depois, já em 2003, a família Bush continuava a sentir que ainda não tinha batido o suficiente em Saddam Hussein, e George decidiu ligar para Portugal para alugar a ilha Terceira para uma espécie de lançamento dum livro escrito com o sangue e a miséria do povo iraquiano.
Com Durão Barroso, como mestre-de-cerimónias, o mundo ficou a conhecer a mais recente odisseia norte-americana na terra dos palácios de mármore, que supostamente escondia nas suas areias, armas de destruição maciça!… Mas, revirados todos os grãos de areia desde o Tigre até ao Eufrates, nem uma bombita de carnaval naquele solo existia… paciência, melhores dias virão lá para os lados do Afeganistão ou do Irão, pensaram todos!
O mundo continuou sem guerras, e em Guantánamo, em Cuba, era preciso sangrar até à última silaba, a confissão necessária para que o roteiro escrito batesse certo.
Do lado de lá da cerca da prisão, viviam como podiam os cubanos, que não tendo nada a ver com esta produção de Hollywood, viviam e vivem embargados de liberdades e de bens! Um alto preço a pagar por querer pensar diferente dos ‘’polícias do mundo’’.
Do teatro de Dubrovka ao desumano massacre de Mariupol, esteve sempre o mesmo homem cruel e desumano chamado Vladimir Putin, mas entre Dubrovka e Mariupol também existiram no mundo centenas de outros ‘’Vladimirs’’, que foram dizimando vidas inocentes com a mesma ou mais frieza.
Do Iémen à Síria, do Myanmar ao Haiti, da Etiópia ao Mali, do Sudão do Sul ao Sudão do Norte… fugiram do terror da guerra, despojados de tudo, homens, mulheres, e crianças.
Contudo o mundo que se hipnotiza facilmente com uma foto engraçada de gatos no Instagram ou com uma coreografia viral no Tiktok, consentiu que em silêncio, milhões de pessoas sofressem as mais atrozes maldades, sem que ninguém colocasse uma bandeirinha no seu perfil…
Em 2021, a ONU anunciou que 160 milhões de pessoas viveram em zonas de conflitos de guerra em 2020! Escolas, hospitais, casas, lugares de culto, mercados, aeroportos, cisternas de água e estações de electricidade continuaram a ser destruídos ou danificados por conflitos, particularmente na República Central Africana, Etiópia, Líbia, Moçambique, Nigéria, territórios palestinianos ocupados, Síria e Iémen. Sempre que armas explosivas foram utilizadas, 80% das vítimas foram civis!
Em 2020, em 23 países em conflito, 99 milhões de pessoas viviam no limiar da fome.
Citou ainda o organismo liderado por um português, que nesse ano cerca de 182 profissionais de saúde foram mortos em 22 países afectados por conflitos, tendo o maior número de vítimas ocorrido no Burkina Faso, República Democrática do Congo, Somália e Síria.
Também em 2020, as crianças representaram um quarto das vítimas civis de minas terrestres, dispositivos explosivos improvisados e resíduos explosivos de guerra…
Mas todos estes números aterradores, não fizeram ninguém afastar-se da sua rotina diária, um palmo que fosse!
E ao invés disso, ouvimos alguns que hoje se embandeiraram de opositores de Putin, a vestir camisolas com a sua face impressa, enquanto lançavam impropérios contra aqueles que fugiam destes conflitos… os refugiados.
Hoje no ocidente sopram ondas de solidariedade formadas por uma espécie de canhão da Nazaré, recebendo e aceitando os refugiados ucranianos! O meu desejo é que esta atitude humana e altruísta continue, e assim se possa salvar milhares e milhares de vidas, e que o mito do refugiado que chega de telemóvel em punho, para viver subsídios, acabe de vez!
Mas desconfio que será ‘vento’ de pouca dura, porque quando este amainar e o gasóleo chegar aos 3€, a incoerência irá de novo culpar o refugiado pela falta de emprego, e a recorrente demagogia irá questionar a falta dum cobertor para um sem-abrigo que nasceu em Portugal, quando se deu uma casa uma família refugiada, e tudo e todos voltarão a viver... nos dias da indiferença!
Ricardo Jorge Neto
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