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Gazeta Paços de Ferreira

21/09/2024, 0:00 h

264

Kurosawa, O rei Lear e Álvaro Cunhal

Cultura Opinião Abílio Travessas

OPINIÃO

"A questão do poder era tema que Álvaro Cunhal privilegiava e não admira esta tradução da peça do dramaturgo inglês."

Por Abílio Travessas (Colunista e Professor aposentado)

CULTURA

 

 

Admirador do cinema e da cultura japonesas me confesso. Oportunidade  de conhecer o Japão também se proporcionou e foi um deslumbramento. Dentre os cineastas, Kurosawa é o preferido e Os sete samurais continua a marcar o meu imaginário de aventura e da luta dos mais desprotegidos. Ultimamente o canal de cinema TVCine tem apresentado vários filmes do mestre japonês: O trono de sangue em que transporta para o ecrã em contexto japonês Macbeth de Shakespeare; Yojimbo, o invencível – “Sanjuro, samurai velhaco e manipulador, sabe vender-se e quer  tirar proveito da riqueza e da futilidade dos poderosos.” Senhores da guerra, “com influências de Rei Lear, de Shakespeare. Ilustra momentos da história do Japão e o herói, Hidetora Ichimonji, líder do clã, é inspirado em Monotari Mori que estava no poder aquando do período das “províncias em guerra” do séc 16 e que divide o seu legado pelos três filhos. Em Rei Lear, o soberano (Hidetora) impôs-se rapidamente transformando as três filhas da peça shakespeariana em três filhos, em nome da semelhança histórica, porque era impossível imaginar na época feudal um senhor legar os seus castelos, terras e exército às suas filhas.”

 

 

O livro Akira Kurosawa de Charles Tesson, dos Cahiers de Cinema, editado pelo jornal Público, serve-me de guia para as citações que apresento. “Kurosawa – Senhores da guerra – mergulha nas guerras civis do séc. 16. Personagens reais filmam a história do ponto de vista dos futuros perdedores. A acção desenrola-se entre a vitória iminente do clã Takeda e a sua derrota, última cena do filme, com a vitória de Nobunaga na batalha de Nagashino em 1575.” Aqui trago à história o português Fernão Mendes Pinto, um dos prováveis introdutores no Japão da espingarda; no filme está documentada a nova táctica de guerra, usada por Nobunaga Oda, só mais tarde chegada à Europa, e que consistia em duas linhas de arcabuzeiros que faziam fogo alternadamente para recarregar as armas. Assim ganhou supremacia sobre os outros clãs, unificando o Japão.

 

 

 

 

William Shakespeare – O Rei Lear – Tradução e notas de Álvaro Cunhal, da Caminho. Na Introdução, Luís de Sousa Rebelo: “O texto d’ O Rei Lear, então publicado (Obras de Shakespeare editadas em fascículos pela Tipografia Scarpa em Lisboa) não figura o nome do seu verdadeiro tradutor. …A verdade é que o nome do tradutor não se podia revelar na altura. Tratava-se do Dr. Álvaro Cunhal. Sob as condições da ditadura salazarista, que suprimira todas as liberdades políticas e exercia a coerção policial sobre os cidadãos, o seu nome era anátema para o regime. Para mais o Dr. Álvaro Cunhal encontrava-se na Penitenciária e tudo que a ele se referisse era zelosamente controlado pelas autoridades no sentido de apagar a sua presença.”

 

 

Da qualidade da tradução, nomes insuspeitos de simpatia ideológica deram testemunho. A questão do poder era tema que Álvaro Cunhal privilegiava e não admira esta tradução da peça do dramaturgo inglês.

 

 

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