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Gazeta Paços de Ferreira

23/03/2025, 0:00 h

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Entrudo da minha infância

Cultura Joaquim Leal Opinião

OPINIÃO

A minha infância não teve Carnaval, nem máscaras, nem super-heróis (o Super Rato foi uma exceção), mas nem por isso deixou de ter os seus momentos altos, horas de diversão, de riso, de alegria.

Por Joaquim António Leal

 

A televisão acabara de iniciar as emissões em Portugal, porém a minha aldeia era demasiado pobre para aceder a essa novidade rapidamente. Não nos chegavam notícias do Carnaval do Brasil, sequer de Ovar ou Torres Vedras. Restávamos apenas nós, por nós ou contra nós, e inventávamos brincadeiras, que era a única hipótese que tínhamos de nos entreter. E naquela sede de prazer que o tempo não deixava durar muito, esperávamos o dia de Entrudo como se se tratasse do dia de libertação da pátria.

 

 

 

 

O Entrudo autorizava-nos a ser diferentes do que éramos no dia a dia, e não pensávamos em transfigurações ou em mudanças de género quando enfarruscávamos o rosto na fuligem da lareira e vestíamos as roupas das nossas mães ou irmãs. Depois, munidos duma inabalável vontade de testar a nossa capacidade encobridora, desfilávamos pela aldeia em pequenos grupos, na vã esperança de não sermos reconhecidos pelos vizinhos. E ouvíamos, extasiados, os comentários dos aldeões adultos: “Quem serão estes? Não os reconheço, se não são de cá devem ser de Meixomil”. E riam-se, sussurrando entre si, contribuindo para justificar o nosso disfarce. Contudo havia sempre o adulto-estraga-tudo, o irritante que nos deitava todo o trabalho a perder: “olha para ele! Julga que engana, mas toda a gente vê que é o filho do Manel”. E, nesse preciso momento, abria-se um alçapão e caíamos fundo, feridos nas carnes e no espírito, a sentir-nos nus, apanhados em flagrante em plena velhacaria. Valia-nos, logo a seguir, o contraponto, os aplausos da maioria, o que fazia com que virássemos crianças felizes de novo, vivendo uma verdade que aos tinhosos se afigurava uma grande mentira.

 

Era o Entrudo e valia tudo. Durante o dia estourávamos umas bombinhas e lançávamos fitas multicoloridas à cabeça das pessoas; e, à noite, à volta duma enorme fogueira alimentada pelas silvas roçadas de véspera pelos jovens maiores, ouvíamos histórias de outros tempos, enquanto rebentavam bombas que soavam a festa e saltávamos sobre o lume quando ele, já brando, ainda ardia.

 

 

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