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Gazeta Paços de Ferreira

14/02/2022, 0:00 h

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Bolo Valeriano recheado de riquezas

Opinião

Conta-se que um dia um trabalhador, ao ver o seu chefe a chegar com a uma nova viatura de altíssima gama lhe disse:
- Chefe, isto sim é um carro! - o homem sentindo-se lisonjeado retorquiu:
- Sabes, se tu trabalhares muito, mas mesmo muito, sem nunca baixares os braços! Se deres sempre tudo de ti, e o fizeres sempre tudo com muito afinco e com muita perfeição! Vais ver que um dia… eu compro outro!

 

Ainda sobre a campanha das Legislativas, independentemente dos resultados obtidos, quero mostrar o meu desagrado pelos impropérios, que escutei contra a pobreza existente no nosso país.

Se num dia os pobres não trabalham, no outro já tinham viaturas de luxo à porta. E isto fez-me recordar São Lourenço e o imperador Valério.

No início da cristandade, o imperador romano Valério, na sua perseguição aos cristãos, ordenou que estes lhe entregassem todos os seus bens.

Após o martírio do Papa Sisto II, o imperador poupou Lourenço, que era uma espécie de tesoureiro da Igreja, e ordenou-lhe que, no dia seguinte, lhe trouxesse todos os bens que detinha, na esperança de meter mão a todos os ‘’Mercedes’’ daquela comunidade cristã.

E Lourenço assim o fez. No dia seguinte apresentou-se perante Valério levando consigo todos os pobres da sua comunidade. Chegando perto do imperador exclamou: ‘’Estas são as riquezas da Igreja’’! Valério ficou furioso, e mandou assá-lo numa grelha…
Durante a campanha, o espirito de ‘Valério’ renasceu por cá, e em discursos inflamados os pobres viraram grandes proprietários, a quem a justiça deverá impor-se de forma implacável. Mas estes novos ‘Valérios’ ganharam uma outra faceta: a faceta liberal, assente na ideia de que também é necessário ‘ajudar’ urgentemente os mais ricos.

 Se os cerca de 300 milhões de euros anuais alocados no RSI são vistos como um balúrdio, que urge ser reduzido ou até retirado de vez aos mais pobres, cerca de 2 mil milhões de euros devem ser poupados aos mais abastados, por via da famosa taxa única de IRS, vendida com o nome apelativo de flat tax.

Estas foram as mensagens que muitas vezes foram repetidas, e que, incrivelmente, não causaram indignação, mas, sim, apoio ou silêncio.

Mas, na verdade, deveriam ter causado grande agastamento.

Senão vejamos: com uma taxa única de IRS a 15%, cerca de 96% dos agregados familiares em Portugal não beneficiam muito com esta medida, a eles em conjunto seriam cobrados menos 250 milhões, o que daria uma migalhita a cada um. Os restantes 1750 milhões ficariam para os restantes 4% dos agregados familiares do país, ou seja os 4% que mais enriquecem no país, iriam enriquecer ainda mais. Como os 300 milhões gastos no RSI, não cobririam os 2000 milhões não cobrados em IRS, o Estado teria de inventar esse dinheiro em algum lado… já imaginarão onde!
Contudo, esta ideia de ajudar a casta fina do poder económico do país tem um propósito salvífico para todos os outros!

Segundo os pensadores da flat tax, o alívio fiscal, que incidiria sobre os que mais ganham (e não sobre os que mais trabalham) faria com que estes investissem estes dinheiros extras na economia, fazendo-a crescer para gaudio de todos…

Nada mais errado!

Se dermos mais a quem já tem tudo, eles continuarão a consumir da mesma forma, nem mais nem menos, mas igual!

Esta falácia, de que a melhoria do futuro colectivo se confecciona colocando a massa do bolo do IRS, na forma já bem untada dos mais ricos, e que depois basta esperar que o bolo coza num forno suíço, esperando que no final todos possam comer uma apetitosa e quentinha fatia de bolo… Julgo que o melhor seria esperar sentado, porque deste bolo, no máximo, caberia a cada um, uma migalha queimada… e fria!
O mais provável de acontecer com esta receita seria algo semelhante à seguinte estória. Conta-se que um dia um trabalhador, ao ver o seu chefe a chegar com a uma nova viatura de altíssima gama lhe disse:
- Chefe, isto sim é um carro! - o homem sentindo-se lisonjeado retorquiu:
- Sabes, se tu trabalhares muito, mas mesmo muito, sem nunca baixares os braços! Se deres sempre tudo de ti, e o fizeres sempre tudo com muito afinco e com muita perfeição! Vais ver que um dia… eu compro outro!

Ricardo Jorge Neto

 

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