15/06/2021, 1:03 h
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Na região do sul do Sudão, o povo Nuer nas suas tradições antigas tinha uma explicação peculiar para a morte e para a vida.
Contam que, no início do mundo, o espaço terreno e o céu estavam ligados por uma corda. Por ela se poderia subir e descer, numa perfeita simbiose entre o mundo celeste e o mundo terrestre. Todos aqueles que, atingindo uma idade maior, fossem abatidos pelas vicissitudes da idade poderiam subir a corda de encontro a Deus, chamado de Kwoth, e de lá desceriam rejuvenescidos no seu corpo em tenra idade. A morte não existia, e a vida era um constante ciclo de rejuvenescimentos e envelhecimentos.
Contudo, certo dia, a hiena matreira decidiu subiu a corda e entrou no reino celestial. Deus, ao vê-la subir, ordenou que a vigiassem de perto, de forma a conter alguma façanha, que esta tivesse em vista.
A hiena ao sentir-se vigiada decidiu ir-se embora. Mas, enquanto descia, num golpe cruel, a hiena cortou a corda… desligando o céu da terra para sempre.
A partir deste dia, os homens e as mulheres passaram a envelhecer até sucumbirem na morte. A felicidade do rejuvenescimento terminara, e a dor da morte tomara o seu lugar para sempre.
Nesta história africana anterior às principais religiões atuais, há aspectos similares com as origens das nossas sociedades.
A hiena é uma espécie de Pandora, que libertou todos os males do mundo, ou uma espécie de cobra que fez o homem e a mulher serem expulsos do paraíso.
Mas o motivo pelo qual escolhi a história do povo Nuer, e não a história de Pandora ou a de Adão e Eva, foi mesmo a corda.
A corda na história do povo Nuer tinha o significado de salvação e de vida eterna. Para a nossa sociedade de raízes judaico-cristãs, a corda pela qual subimos de encontro a Deus, para termos a vida eterna, chama-se: amor ao próximo.
Renegar este amor incondicional é decepar a corda da vida e viver no sofrimento.
Todos os dias, às costas mediterrâneas da Europa chegam homens, mulheres e crianças, que vêem no nosso continente o seu ‘rejuvenescimento’ ou a sua salvação.
Contudo a corda, que os liga à Europa, nem sempre está disponível, e nesta fuga da guerra, da fome, e do terror, muitos deles apenas encontram a morte.
Se no conto inicial, fora a hiena que cortara a corda, na entrada da Europa, as novas hienas vestem o fato do populismo nacionalista. Os seus atos e as suas palavras afiadas cortam como facas, e não há cordas nem compaixão que resistam às nuvens de intolerâncias que formam um pouco por toda a Europa.
Com discursos que agradam às maiorias e que diabolizam os migrantes, as hienas conquistam as massas e vão, fio a fio, destruindo a esperança de quem procura uma nova vida.
Termino com o exemplo dum jovem chamado Tusse.
Tusse nasceu em 2002 na Republica Democrata do Congo e com apenas cinco anos teve de fugir, com uma tia, para o Uganda. Viveu num campo para refugiados durante três anos, até que conseguiu fugir para a Suécia com a sua tia.
Com oito anos passou a viver com uma família sueca, que o acolheu, e, finalmente, pôde começar a sonhar verdadeiramente.
Procurou, então, singrar na música, e, depois de várias participações em concursos de talentos, Tusse venceu o Melodifestivalen 2021 (festival da canção sueca).
No último mês de maio, Tusse representou a Suécia no Eurovision, com a música ‘Voices’, um apelo a que todas as vozes sejam ouvidas, assente num princípio, que personagens como Santiago Abascal, Matteo Salvini e outros desconhecem: a amizade entre os povos!
Ricardo Neto
https://youtu.be/5P1ueI9j6gk
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