26/09/2020, 17:44 h
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Em 2019 na China, enquanto alguém se deliciava a degustar um belo morcego doente em Wuhan, decorreu um insólito julgamento em Guangxi. O empresário Tan Youhui e cinco assassinos (pouco) profissionais foram condenados a penas de prisão por tentativa de homicídio dum outro empresário. Tudo começou em 2013 quando Tan contratou Xi Guangan para matar o seu rival de negócios, o senhor Wei, por cerca de 250 mil euros. Acontece que o assassino contratado não quis realizar o trabalho e contratou um segundo assassino. Este segundo assassino por sua vez contratou um terceiro assassino que contratou um quarto assassino. Apesar da quantia já estar reduzida, o quarto assassino ainda encontrou espaço de negociação para contratar um quinto assassino, fugindo à tarefa de sujar as suas mãos. Este último subcontratado desta empreitada da morte teve executar a tarefa. Contudo ao encontrar Wei num café, não conseguiu matá-lo e fez um acordo com ele: Wei fingiria a sua morte, e receberia metade do dinheiro. No fim desta trama o empresário rival de Tan, não fingiu a sua morte e apresentou queixa na polícia, sendo toda a novela desvendada em 2016. No final do último ano, os seis envolvidos na tentativa de homicídio foram condenados sendo a pena maior de 5 anos de prisão para o principal mandante, e a menor de 2 anos e sete meses para o último sub-contratado. Ao ler esta história o meu pensamento recuou para o romance de Eça de Queirós ‘O Mandarim’, no qual Teodoro um homem simples e remediado se viu perante um dilema diabólico onde ganharia a fortuna do abastado mandarim Ti Chin-fu, necessitando apenas de tocar uma campainha que faria o velho chinês morrer. Teodoro perante tal facilidade e tal recompensa tocou na campainha e ficou imensamente rico… contudo, juntamente com as riquezas herdou um peso na consciência que o deixaria inquieto. Quem era aquele homem? O que aconteceu à sua família?
Ao ler o inusitado julgamento, pensei: se Teodoro tivesse de matar pelas suas próprias mãos o mandarim talvez tivesse hesitado como os aqueles homens de Guangxi. A tomada de consciência da morte do mandarim e das suas consequências seriam sentidas na hora da decisão, e não apenas após o ato simples de tocar uma campainha. O distanciamento e a falta de consciência dos nossos atos fazem-nos tomar decisões fáceis sem pensar nas suas consequências. Se tivéssemos consciência dos danos reais do uso desenfreado do plástico, talvez hesitássemos em usá-lo tanto. Se tivéssemos consciência dos efeitos nefastos das guerras, talvez não se fechassem as portas a quem foge de países em guerra. Se tivéssemos consciência… talvez…
E foi precisamente sobre esta tomada de consciência que em 1981 o académico norte-americano e especialista em resoluções de conflitos Roger Fisher escreveu um artigo chamado: Prevenir a Guerra Nuclear. A ideia dele era simples: antes de acionar uma bomba atómica carregando no botão vermelho seria necessário um código que estaria colocado numa microcápsula que estaria no coração de um voluntário. Esse voluntário acompanharia o presidente para toda a parte, e carregaria consigo uma faca de talhante. Se o presidente necessitasse de recorrer à utilização duma bomba atómica, deveria matar o voluntário com essa faca, e retirar a cápsula com o código. O presidente nesse momento diria:
- Desculpa, mas dezenas de milhões de pessoas têm de morrer! – e o mataria com as suas próprias mãos. Segundo Roger Fisher, um presidente deveria ver e entender o que significa matar uma pessoa inocente. Depois de contar aos seus colegas no Pentágono a sua ideia, eles disseram:
- Meu Deus, isso seria terrível. Ter de matar alguém distorceria o julgamento do presidente! Assim ele nunca acionaria o botão…
Ricardo Jorge Neto
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