Por
Gazeta Paços de Ferreira

04/04/2021, 1:26 h

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RASPADINHA E OUTRAS DEPENDÊNCIAS

Marcos Taipa

O título deste artigo vem chamar atenção para um aspeto muito simples, é que somos todos interdependentes numa relação de dependência e independência. Somos todos, em alguma altura da vida, dependentes de algo, seja do jogo, do sexo, das compras, de droga, do afeto de alguém, de uma relação, etc…

Se é verdade que tendemos a considerar e a identificar os estados problemáticos de dependência com o consumo abusivo de determinadas substâncias, sejam ela lícitas (ex. cerveja) ou ilícitas (ex. heroína), a verdade é que o ser humano é um ser vulnerável a tornar-se dependente e preenchendo os seus vazios.

Apesar de que, na narrativa de cada um, os dependentes são sempre os outros.

No entanto, basta pensar na relação dos fumadores com o tabaco para se perceber o quanto assim não é. Qualquer adito ao tabaco sofre síndrome de privação e, basta perceber que não poderá fumar nas horas seguintes para logo começar a ressacar.

Sim, a ressacar, ficando nervoso, inquieto e disponível para fazer quase tudo que lhe garanta o precioso produto.

Isto é, podemos é ser mais ou menos autónomos ao longo da nossa vida, mas a dependência todos nós a experimentamos alguma vez.

A palavra autonomia é de origem grega e significa aquele que se rege por normas próprias, que é livre, portanto. Por sua vez, a palavra heteronomia, que aparece no oposto daquele conceito, significa aquele que se rege pelas normas dos outros e em função de algo. Estes são conceitos bem mais interessantes do que a dependência e a independência.

Este intróito serviu para adentrar naquilo que é a verdadeira intenção deste artigo, isto é, contribuir para a discussão sobre se o Estado deve regular a venda de “raspadinhas”.

Confesso que tenho muitas dúvidas que assim deva ser.

Em primeiro lugar este discurso vem sempre associado a um cunho moralista e de estigma relativamente aos mais pobres. Serão estes e a classe média baixa que, supostamente, mais gastam nestes jogos, os mesmos que recorrem, por vezes, aos serviços de ação social.

Ora, qualquer comportamento, qualquer objeto de consumo tem potencial de se transformar em comportamento aditivo. O problema reside quando a pessoa se auto desorganiza, se desestrutura e não conseguir passar sem comprar raspadinhas, adquirindo-as compulsivamente e comprometendo a sua vida nos outros aspetos.

A questão é, quantas serão estas pessoas?

Estou convencido de que é uma minoria.

Assim, é legitimo entrarmos na liberdade individual de cada um, equiparando as raspadinhas à heroína, à cocaína ou outra qualquer substancia que implique tráfico, sofrimento, auto-destruição, financiamento de máfias e branqueamento de capitais?

Não penso que assim deva ser. Mesmo que tal fosse possível, adiantaria alguma coisa? Não! Claro que não.

Esses comportamentos passariam a concentrar-se noutro tipo de jogo ou atividades que prometessem dinheiro fácil, imediato e uma sensação de preenchimento de um qualquer vazio.

Assim, o problema deve ser pensado em dois sentidos.

O primeiro é a estruturação de uma resposta psicossocial para quem tem um problema de adição deste tipo de jogos. Uma resposta como a que existe para outro tipo de dependências, seja jogo, drogas, sexo ou compras. Portugal tem uma excelente estrutura, o SICAD, que pode ser usada para o efeito.

O segundo é o desenhar de uma resposta pensada a partir do sistema de ensino, que se centre em estratégias de prevenção do consumo abusivo de jogos on-line, de uso de redes sociais, de consumo de “raspadinhas” e outros consumos potencialmente perigosos.

Esta pode partir das câmaras municipais que, em articulação com o SICAD e as escolas, arquitetem um plano concelhio de prevenção.

Marcos Taipa Ribeiro

https://youtu.be/ffIa3Q-NZlg

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