05/11/2020, 15:45 h
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Por uns tempos adorei a sensação de passar despercebido na rua, olhando pessoas que me viam, mas não reconheciam, devido à máscara. Podia andar mal vestido, despenteado, de mochila puída às costas, que ninguém me questionava sobre o meu aspeto maltrapilho, a anónima figura dum pobre diabo.
Mas cansei-me. Ser invisível só é bom durante um certo tempo. É como ficar isolado numa ilha, sem carros, sem vozearias, sem atropelos nem filas de supermercado para pagar as compras. Ficar numa ilha deserta com um ser amado é o sonho de qualquer um. Porém se se passam semanas, ou meses, ou anos naquele isolamento, perde-se o encantamento, vêm-nos as ganas de construir uma embarcação e de nos lançarmos ao mar à procura de terra mais larga, barulhenta, poluída.
Usar máscara começou por ser bom, seguindo-se o curto período do assim-assim. A insistência no gesto diário de colocar o pano no rosto tornou-se irritante, criando-me até uma certa alergia. Garantiam-me que era necessário, que me protegia a mim próprio e aos demais, que, de outra forma, o vírus se propagaria de tal modo que o nosso sistema de saúde entraria em rutura, que morreria muita gente. Por isso cumpri religiosamente com as regras, mantendo o distanciamento social, guardei os abraços e os beijos no congelador, porque tinha a certeza de que havia de os desembrulhar do gelo no momento certo e colocá-los na pele de quem não posso aproximar-me demasiado, apesar da vontade.
Agora, já experientes, mantendo as máscaras coladas aos rostos, vamo-nos cruzando com outros igualmente mascarados e constatamos que os desconhecidos continuam a sê-lo, mas quanto aos nossos, os amigos, habituámo-nos a reconhecê-los pelo brilho dos olhos, e percebemos que nos basta o sorriso que sobra para além do pano para sabermos quem são. Todavia, a máscara continua a irritar-nos por um motivo qualquer.
Desejamos todos muito que o ano 2020 passe depressa, que o seguinte venha diferente. O problema é SE no final do próximo ano, quando o Covid já tiver ido à vida, surgir um novo vírus que não ataca as vias respiratórias, mas os intestinos. Aí vai ser uma aflição, com toda a gente a usar fraldas, porque uma rolha não será suficiente para conter os distúrbios intestinais. Então diremos: que saudades da máscara no rosto e dos distanciamentos sociais!
Joaquim António Leal
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