Por
Gazeta Paços de Ferreira

30/01/2021, 0:44 h

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CONTRATO DE SEGURO DE SAÚDE POR TELEFONE: HÁ PRAZO PARA DESISTIR?

Mário Frota

“Feito um contrato de seguro de saúde por telefone, pode o consumidor desistir dele sem consequências?

1. O contrato de seguro de saúde celebrado pelo telefone é um contrato à distância.

2. As regras que se aplicam a tais contratos não são exclusivamente as da Lei dos Contratos à Distância, mas também as do Contrato de Seguro, por expressa previsão legal.

3. Rege no que toca ao DIREITO DE DESISTÊNCIA o artigo 118 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro de 2008 (DL 72/2008), com alterações introduzidas em 2015 (Lei 147/2015).

Eis o que reza tal artigo, sob a epígrafe “livre resolução” (direito de desistência):

CONTRATOS ABRANGIDOS E SEU REGIME

O tomador do seguro, pessoa singular, pode [pôr termo] ao contrato sem invocar justa causa:

  • Nos contratos de seguro de vida, de acidentes pessoais e de saúde com uma duração igual ou superior a seis meses, nos 30 dias imediatos à data da recepção da apólice;
  • Nos seguros qualificados como instrumentos de captação de aforro estruturados, nos 30 dias imediatos à data da recepção da apólice;
  • Nos contratos de seguro celebrados à distância, diferentes dos anteriores, nos 14 dias imediatos à data da recepção da apólice.

COMO SE CONTA O PRAZO DE DESISTÊNCIA?

Os prazos enunciados contam–se a partir da data da celebração do contrato, desde que o tomador do seguro, disponha já nessa data, em papel ou noutro suporte duradouro, de todas as informações relevantes sobre o seguro que hajam de constar da apólice.

EXCLUSÃO DO DIREITO DE DESISTÊNCIA

  1. O direito de desistência relativo aos contratos de seguro de vida, de acidentes pessoais e de saúde (com uma duração igual ou superior a seis meses) não se aplica aos segurados nos seguros de grupo.
  2. O direito de desistência no contrato de seguro celebrado à distância não se aplica a seguros com prazo de duração inferior a um mês, nem aos seguros de viagem ou de bagagem.

COMUNICAÇÃO DA DECISÃO DO SEGURADO

A desistência  do contrato (o “dar o dito por não dito”…) deve ser comunicada ao segurador por escrito, em suporte de papel ou outro meio duradouro disponível e acessível ao segurador.

EFEITOS DA DESISTÊNCIA

A desistência tem efeito retroactivo, isto é, conta para trás, podendo o segurador ( a Companhia de Seguros) ter direito às seguintes prestações:

  • Ao valor do prémio calculado pro rata temporis (isto, é “proporcionalmente ao tempo de seguro vencido”), na medida em que tenha suportado o risco até à desistência do contrato pelo consumidor;
  • Ao montante das despesas razoáveis que tenha efectuado com exames médicos sempre que esse valor seja imputado contratualmente ao tomador do seguro (consumidor);
  • Aos custos de desinvestimento que o segurador tenha comprovadamente suportado.

CASOS EM QUE NÃO HÁ DIREITO ÀS PRESTAÇÕES PELA COMPANHIA DE SEGUROS

A Companhia não tem direito às prestações referenciadas no ponto precedente em caso de desistência pelo consumidor do contrato de seguro celebrado à distância.

Exceptua-se, porém, a hipótese de ocorrer o início de cobertura do seguro antes do termo do prazo de desistência do contrato, a pedido expresso do tomador do seguro (consumidor).

PRAZO INSUFICIENTE (QUE NÃO O LEGAL DE 30 DIAS)

Se do contrato constar o prazo de 14 dias, que não o de 30, que é o legal, é como se não existisse prazo nenhum.

E, assim sendo, rege um outro dispositivo da Lei do Contrato à Distância de 14 de Fevereiro de 2014, segundo o qual o período de tempo para a desistência passa a ser de 12 meses.

PREVISÃO DA LEI DO CONTRATO À DISTÂNCIA

Eis o teor da norma (n.º 2 do artigo 10.º) da Lei do Contrato à Distância que prevê um tal direito:

“Se o fornecedor… não cumprir o dever de informação pré-contratual determinado [noutra disposição], o prazo para o exercício do direito de [DESISTÊNCIA] é de 12 meses a contar da data do termo do prazo inicial....

Se, no decurso do prazo de 12 meses, o fornecedor… cumprir o aludido dever de informação pré-contratual, o consumidor dispõe de [30] dias para pôr termo ao contrato a partir da data de recepção dessa informação (com a adaptação da norma do artigo 118 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro).

EM CONCLUSÃO:

a. Se do contrato de seguro de saúde não constar o prazo de 30 dias dentro do qual o consumidor pode exercer o seu direito de DESISTÊNCIA (a que a lei chama, impropriamente embora, de livre resolução) ou constar prazo inferior, como é o caso (14… em vez dos 30 dias!), o contrato não é nulo por virtude de o fornecedor violar uma disposição legal de carácter imperativo (como resultaria do artigo 294 do Código Civil);

b. Há que adaptar a disciplina da Lei do Contrato à Distância a esta realidade: donde, o prazo de desistência se alargar de 30 dias para 12 meses quense seguem ao prazo inicial.

c. Como o contrato tem a duração de um ano – e ainda transcorre o prazo – é tempestiva a DESISTÊNCIA, já que o prazo para a desistência é o mesmo do contrato.

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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