26/11/2025, 19:23 h
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Mário Frota Opinião Direito Consumo
Em louvor a Laborinho Lúcio
Os códigos civis proclamam para valer “urbi et orbi” [“à (na) cidade e ao (no) mundo”]:
“A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas nas sanções nela estabelecidas”.
O oceano revolto das leis, com miríades de diplomas a naufragar, não valida um tal imperativo…
Noutro tempo, com diminutos instrumentos, com ordenações acessíveis, com códigos em número contado, talvez fosse possível sufragar, com reservas, uma tal concepção.
As noções basilares retêm-se, o mais escapa, mesmo aos mais letrados…
Nós já evitámos que um magistrado, muito respeitado no foro, invocasse - numa das suas decisões - um diploma legal, cuja ratificação fora recusada pelo Parlamento.
E éramos meros espectadores da audiência.
A tão prolífera quão prolixa legislação avulsa, a despeito dos ora expeditos meios de acesso, não se acha ao alcance de quem quer.
Em domínios como o do direito do consumo, a confusão reinante supera o inimaginável.
Por vezes, instituições com uma extraordinária aura (que oferecem ao público em geral o acesso a bases de dados) padecem de ausência de rigor no que apresentam: diplomas desactualizados cuja invocação faz incorrer em erro e responsabilidade os interessados que nelas confiam.
De certa feita, um advogado dera-nos conta de que, ao invocar um preceito de uma base de dados do Ministério Público, fora condenado em custas pela juiz titular do processo porque o dispositivo havia sido já revogado.
Instado o responsável pela base, depois de um longo arrazoado justificativo, rematou: “as revogações expressas, consideramo-las, as tácitas deixamo-las à livre discrição do intérprete”! E mantive a lei desactualizada... Notável!
Em tempos, a Lei dos Preços, denunciámo-lo, achava-se desactualizada quer na base de dados do Ministério Público (PGRL) quanto na da entidade a que incumbe, no mercado, intervir em um tal domínio.
E os exemplos sucedem-se… na densa floresta das bases de dados parcelares e inconsequentes sob o signo de diferentes entidades públicas...
Se a irresponsabilidade campeia, quem responderá pela ignorância em que incorrem os cidadãos?
Não que “a ignorância da lei aproveite a quem quer”, mas o paradigma parece ter-se invertido.
Sempre haveria, como o problematizava Figueiredo Dias, “a falta de consciência da ilicitude”, em dados termos, de todo o modo escusante.
Quando a própria Lei do Direito ao Direito (à informação jurídica) estabelece categoricamente que
“Incumbe ao Estado realizar, de modo permanente e planeado, acções tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através de publicação e de outras formas de comunicação, com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos”,
o que parece é que está a pôr em causa tão enfático dever a que se vinculam os cidadãos.
Só que o poder-dever, imposto pelo Parlamento ao Governo, não encontrou eco por aí além no próprio Ministério da Justiça, a que a lei comete o encargo: “ a informação jurídica é prestada pelo Ministério da Justiça…”
Com uma excepção, porém: o ministro Laborinho Lúcio.
Criou um Gabinete de Acesso ao Direito, proficientemente dirigido por Maria da Graça Pombeiro, que promoveu relevantíssimas acções ao longo do país.
Algo que não colheu a sensibilidade dos que lhe sucederam, sobrevindo desde logo soluções de continuidade que arruinaram o projecto, que jaz morto e sepulto.
Laborinho Lúcio foi o primeiro entusiasta, após Neves Ribeiro, director, ao tempo, do então Gabinete de Direito Europeu, da criação de uma Comissão das Cláusulas Abusivas, que se ocupasse da análise dos contratos de adesão, mediante proposta que a apDC lhe formulara.
Criou-se, então, em Coimbra, com o suporte do Ministério, o Observatório das Cláusulas Abusivas: exaustivo e superlativo o labor aí promovido com assinaláveis resultados.
Após o abandono da pasta, o Observatório desapareceu por ausência de suporte dos que nela lhe sucederam.
Daí que, escassas semanas após o passamento dessa figura que permanece na memória de tantos, entendamos consignar nestas páginas, com uma enorme emoção, o nosso preito de homenagem a Laborinho Lúcio!
Que o recordem os que se preocupam com a Cidadania, seja lá isso o que for!
Mário Frota
presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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