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Gazeta Paços de Ferreira

26/04/2024, 10:13 h

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Uma escola de liberdade e a escola da mentira

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No arco temporal que vai de 1960 a 1974, sucederam-se acontecimentos decisivos para a vida política e cultural do nosso país e do nosso concelho.

Por Aloísio Lobo (Académico, Professor Universitário, Vereador da Educação nas primeiras eleições democráticas)

DESTAQUE - EXCERTOS

 

 

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UMA ESCOLA DE LIBERDADE

 

 

(...)

Entretanto, ocorreu um facto que viria a agitar sobretudo a então Vila de Paços de Ferreira: o Padre Joaquim Meireles veio paroquiar a freguesia. Marcado pelo espírito do Concílio Vaticano II, promoveu alterações no modo de relacionar-se com os crentes e… com os não crentes! Cercou-se de um grupo de jovens, dos quais eu era o mais velho. Foi lançado um jornal paroquial, titulado A Rebate que incluía textos bíblicos demolidores das injustiças sociais ou manifestamente pacifistas, o qual era periodicamente distribuído pelos paroquianos. Infelizmente, não disponho de nenhum exemplar e duvido que alguém ainda conserve algum.

 

 

Por essa altura, Paços de Ferreira era um concelho onde o acesso à educação era dificílimo, nomeadamente para as camadas mais pobres da população juvenil. A oferta de escola pública era muitíssimo escassa ou mesmo inexistente, para além das então chamadas “escolas primárias”. Quando, em 1970, o professor Veiga Simão, assumiu a pasta da “Educação Nacional”, foi esboçada uma democratização do ensino, mas só com a Revolução de Abril essa democratização se, efetivou em extensão e profundidade; talvez isso explique o inesperado percurso político daquele professor…

 

 

Foi neste contexto que o grupo de jovens atrás referido, sempre com apoio do Padre Joaquim de Meireles, projetou a criação de uma escola livre, com horário pós-laboral a funcionar numa sala da residência paroquial. Esta decisão surpreendeu a população pelo seu ineditismo e ousadia. Porém, quando o projeto se efetivou, um número significativo de pessoas acorreu a abraçá-lo. Umas estavam dispostas a aprender e outras a ensinar, sendo certo que as que ensinaram muito aprenderam com a experiência. Resolveu-se começar por proporcionar as disciplinas do então chamado “Ciclo Preparatório”, no sentido de dar aos alunos a possibilidade de virem ulteriormente a prosseguir estudos regulares, o que de facto viria a acontecer com alguns deles.

 

 

Esta opção não obstou a que fossem introduzidas matérias não abordadas nas “escolas oficiais”. Lembro-me, por exemplo, da alegria que eu próprio senti face à curiosidade que os alunos manifestaram na abordagem da Teoria dos Conjuntos, na óptica de Papy, ou da Lógica Simbólica Elementar, então propugnada pelo Professor J. Sebastião e Silva.

 

 

É claro que uma iniciativa destas surgia como perigosamente heterodoxa e assanhou os ânimos dos chefes locais da União Nacional (que, daí a pouco seria Acção Nacional Popular…). A princípio, limitavam-se a ridicularizar a iniciativa. Porém, o sucesso da Escola começou a assustá-los e passaram a propalar entre a população que se tratava de um “bando de comunistas” que manipulava o pároco. Mal sabiam eles que o Padre Meireles era, em muitos aspectos, mais radical do que os ditos manipuladores. Para além disso o pároco corria mais risco do que eles, porque defrontava não só o aparelho repressivo do Estado como também o da hierarquia da Igreja.

 

 

A verdade é que algum efeito conseguiram essas insinuações: a hierarquia da Igreja apertou o Padre Meireles, alguns jovens começaram, a sentir medo, bem como as respectivas famílias… A mim (não me recordo se a mais alguém…), tocou-me ser ouvido pela PIDE (ou seria já D.G.S.?) no quartel da G.N.R. da vila. Estava marcado o destino da Escola…

 

 

Mas, em verdade, em verdade, uma pergunta tem de ser aqui colocada: tínhamos nós intenções políticas com a iniciativa? É evidente que tínhamos. Mas há que distinguir: não se tratava de ambição pela conquista e conservação de qualquer poder político ou outro. Até porque, naquela altura, nenhum de nós (posso garanti-lo) tinha qualquer filiação partidária ou análoga. Havia, entre nós várias tendências. Ou talvez melhor: todos nós estávamos em processo de formação política, mental e cultural. Unia-nos a defesa da liberdade de expressão, a luta contra as desigualdades sociais e a recusa da Guerra Colonial que era um sorvedouro de vidas jovens. Era, pois, uma Escola de Liberdade, onde todos intervinham e que a todos interpelava!

 

 

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A ESCOLA DA MENTIRA

 

 

(...)

Como está hoje a educação no nosso concelho? A democratização está plenamente conseguida. Quem se atreveria a negá-lo quando: há uma rede completa de escolas de todos os níveis de ensino não universitário; o transporte dos alunos é praticamente gratuito, o mesmo sucedendo, em grande parte, com os livros escolares; a Câmara Municipal assegura gratuitamente as refeições dos alunos e bem assim a fiscalização da respetiva qualidade (a este propósito, é da mais elementar justiça destacar o papel desempenhado pelo presidente Dr. Humberto Brito e pelo vereador Dr. Paulo Ferreira). Ademais, vejam os liberais adeptos da entrega da educação aos privados como, no nosso concelho, o ensino público e o ensino privado coexistem pacificamente.

 

 

Será isto o que os que agora chegam à política denominam a “sovietização do ensino?”. A esses, convido-os a comparar a situação atual da Educação em Paços de Ferreira com a que aqui existia no tempo da nossa Escola da Liberdade… Apresentem dados objetivos para provar que a situação de então para cá se degradou…

 

 

Mas esses que agora chegam nunca o farão, porque eles constituem uma “Escola da Mentira”. É verdade que a maior parte deles não tem idade para ter visto o que atrás foi relatado (embora, pelo menos um seja quase tão velho como eu…). Não viram esse passado, nem se informaram cabalmente sobre ele. Também não veem, ou fingem que não veem, ou não querem ver o presente. Querem apenas deturpar os princípios e os factos para subverter as instituições e conquistar o Poder. Invocam o lema “Deus, Pátria e Família”, mas em vão o invocam. O seu Deus é o Deus do Antigo Testamento, castigador e vingativo, ao contrário do Deus Cristão que é Amor; a sua Pátria não é uma comunidade de vontades diferenciadas, livres e solidárias, mas a imposição de uma homem solitário; a sua Família é intolerante e exclusivista.

 

 

A “Escola da Mentira” ensina a intriga populista nas redes sociais. A mentira tem o pé podre, mas não devemos esperar que caia de podre, porque, entretanto, tudo ficaria contaminado. É preciso combatê-la, é urgente desmontar a demagogia do seu discurso erístico que Platão define como uma “argumentação que, procurando unicamente a vitória num debate abandona qualquer preocupação com a verdade”. É justamente por isso que é a “Escola da Mentira”.

 

 

Seroa, Paços de Ferreira, 11/4/2024

 

 

 

 

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