27/10/2022, 0:00 h
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OS POBRES
Pela forma como são geralmente tratados pela sociedade, suponho que os pobres são uma casta de gente diferente do normal: apátridas, sem dinheiro, sem futuro, sem sentimentos, sem sonhos. Que o digam os ricos (pelo menos alguns) que entendem que ser pobre é opção, porque as oportunidades de enriquecimento estão aí para quem as quiser agarrar (dizem), recusando-se a entender porque é que gerações sucessivas de miseráveis se mantêm como tal, sobrevivendo de esmolas e, quando têm sorte, de subsídios sociais.
Pela parte que me toca, não me surpreende que haja quem formule tais pensamentos, resquícios naturais dos tempos dum tal António (de má memória), que tentou, até à exaustão vincar, nos pobres, a ideia de que pobreza é felicidade. Surpreende-me, isso sim, por não ver todos os ricos a procurarem este tipo de felicidade.
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Não sei se é para me convencer, mas dizem-me que o problema da pobreza não é de agora, que se assemelha a uma doença sem cura, validando, ainda que inconscientemente, a manutenção das coisas como estão, evitando encarar a realidade com a sua respetiva crueza.
Há dois séculos, já Almeida Garrett (Viagens na Minha Terra) se esforçava para que a sociedade civil e a classe política se debruçassem sobre a miséria humana, evidenciando as suas raízes: “E eu pergunto aos economistas, aos políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico”.
Parece que a retórica e a inércia se mantêm na atualidade. Só entre 2020 e 2021 (durante a pandemia) a fortuna dos multimilionários cresceu 60% (dados da Oxfam). Acrescente-se que no mesmo período o número de miseráveis aumentou muitos milhões, constatando-se que a cada quatro segundos morre no mundo uma pessoa de doenças curáveis, de desnutrição, de fome. Vale a pena ler com atenção alguns excertos do poema Fome, de Bráulio Bessa:
“Eu procurei entender qual a receita da fome, quais são seus ingredientes, a origem do seu nome. (…) Achei seus ingredientes na origem da receita, no egoísmo do homem, na partilha que é malfeita. (…) Sendo assim, se a fome é feita de tudo que é do mal, é consertando a origem que a gente muda o final. Fiz uma conta, ligeiro: se juntar todo o dinheiro dessa tal corrupção, mata a fome em todo canto e ainda sobra outro tanto pra saúde e educação”.
Joaquim António Leal
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