Sem intervalos, todos os anos se afogam milhares de migrantes que tentam, em desespero, alcançar as costas europeias em frágeis embarcações. São homens, mulheres e crianças que se afundam por entre gritos lancinantes que só a distância abafa. E não há focos, nem televisões, nem jornais, nem declarações comovidas dos governantes.
Joaquim Leal
Há dias, submersível Titan perdeu o contacto com a terra ao aproximar-se do Titanic, a cerca de 3800 metros de profundidade, e todos os meios de comunicação mundiais nos forçaram a focar-nos nesse drama. Os cinco tripulantes do aparelho disporiam de oxigénio para um máximo de dois dias, e o prazo para os salvar esgotava-se rapidamente. Mudei de canal, de jornal, de informador, mas, pouco tempo depois, onde quer que me encontrasse, lá me surgia a sentença terrível de que no interior da cápsula não haveria ar para respirar por mais do que umas escassas horas.
Movimentaram-se aviões, barcos, submarinos – de vários países – numa cruzada sem precedentes pelo resgate dum grupo de pessoas desaparecidas.
Já houvera uma grande movimentação, há uns anos – embora a anos luz no que respeita a meios envolvidos no socorro – para resgatar os 33 mineiros cativos no fundo duma mina no Chile. Nessa altura, as câmaras apontaram todas à entrada da mina durante dias seguidos e uma onda gigante de solidariedade tocou os corações europeus. Salvaram-se os chilenos e ganharam-se novos heróis. E nós todos nos sentimos um pouco responsáveis pelo salvamento, uma vez que assistíramos a todas as movimentações e aflições a partir do nosso sofá.
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Sem intervalos, todos os anos se afogam milhares de migrantes que tentam, em desespero, alcançar as costas europeias em frágeis embarcações. São homens, mulheres e crianças que se afundam por entre gritos lancinantes que só a distância abafa. E não há focos, nem televisões, nem jornais, nem declarações comovidas dos governantes.
Os multimilionários, cujo submersível implodiu nas proximidades do Titanic, meteram-se nessa aventura pelo simples prazer de acederem ao extravagante; enquanto os mineiros chilenos entraram na mina, arriscando a vida, por pura necessidade; e os migrantes doutros continentes se entregam à fúria e inconstância do mar para escaparem aos horrores das guerras e à morte certa pela fome.
Toda a vida é uma vida a ter em conta, porque há a pessoa, os pais e os filhos da pessoa, sendo certo que na morte sofrem todos por igual.