05/05/2024, 0:00 h
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OPINIÃO
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Era uma vez um menino pobre que não queria continuar a ser pobre, porque os pobres tinham uma vida tão difícil que achava muito difícil imaginar-se a viver para sempre assim. Mas não sabia como libertar-se das amarras da pobreza, pois constatava que todos os miúdos pobres que conhecia eram todos filhos de pais pobres e netos de pobres, e nenhum via maneira de dar um rumo novo à sua situação.
De nada lhe valia ser um dos melhores na escola, porque, naquele tempo, sabia-se de antemão quem avançaria nos estudos, e isso nada tinha a ver com a inteligência, mas com a carteira dos pais. Na sua terra, uma aldeia algo distante das grandes cidades, não existiam escolas públicas para além do ensino primário, só restando a frequência do colégio, onde se pagava tanto como metade do salário mensal dum operário.
Mas o menino pobre queria estudar, aprender coisas, e decidiu para si mesmo que havia de arranjar uma forma de o conseguir. E quando soube que podia estudar sozinho e submeter-se aos exames nacionais, exultou de alegria. Mas havia um senão. Havia sempre um senão a barrar-lhe a passagem, e não fosse a sua vontade férrea, teria enterrado o seu sonho de imediato. Mas não. Pediu livros emprestados e atirou-se ao caminho. Avisavam-no que apenas aos dezoito anos poderia apresentar-se a exame, e que antes dessa idade apenas o poderia fazer se proposto por um professor-explicador “encartado”. Esperar pelos dezoito anos parecia-lhe uma vida, e pagar a um explicador era uma missão impossível de cumprir. Então escreveu uma carta ao Marcelo Caetano pedindo-lhe que abrisse uma exceção, que o deixasse mostrar o que já sabia, que lhe permitisse escolher uma vida diferente dos seus pais. Mas na resposta, o Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho lembrou-lhe que nem todos podiam ser doutores, e que se limitasse a fazer algo na área em que fora criado.
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Dizem que quando uma luz se apaga outra se acende, e isso aconteceu. Soube da existência dum espaço, uma espécie de escola gratuita, que poderia frequentar em regime pós-laboral. O padre Meireles cedera o espaço, e um grupo de jovens universitários dava-lhe vida. Assim, no final do trabalho diário, o menino, agora rapaz, passou a participar nas aulas de Matemática de Aloísio Lobo, nas de Português de Álvaro Neto, e nas restantes disciplinas lecionadas por pessoas de que desconheço os nomes.
Mas lá veio o senão, o empecilho, o destruidor de sonhos. Não eram decorridos quinze dias e a PIDE, a polícia política do regime, lacrava a porta, impedindo a continuação daquela rica experiência cultural. Ainda não digerira a resposta do tal Marcelo, que o aconselhara a seguir as pisadas do pai, agarrado ao arado, e já surgiam os seus esbirros a terminar o serviço. Ao inferno, com todos eles, desejou o menino pobre que queria estudar para aprender como sair da pobreza e ter uma vida melhor.
(Nessa “escola” várias pessoas iniciaram os estudos pós-primária, e apesar de a PIDE lhes ter obstaculizado o percurso, o bichinho do conhecimento ficara lá, e algumas acabaram por concluir vários graus de ensino por outras vias. O que conseguiram devem-no a si mesmas, mas também àquele grupo de jovens universitários que ofereceram o seu tempo e arriscaram a sua liberdade, apenas para provarem que era possível viver numa sociedade mais justa e equilibrada. A COMUNIDADE PACENSE, através da autarquia, CONTINUA A DEVER-LHES UM RECONHECIMENTO PÚBLICO).
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