22/10/2023, 0:00 h
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OPINIÃO
Por Joaquim António Leal
OPINIÃO
Há tantos montes, vales, terras inférteis, locais passíveis de serem usados para as mais diversas situações, porém lutamos constantemente contra a falta de espaço, contra a necessidade de nos encaixarmos uns nos outros como legos de brincar às construções. Encontrar um espaço para viver, só ou com a família, tornou-se um luxo, um privilégio de cada vez menos pessoas.
Em Lisboa, por exemplo, há quem pague novecentos euros por uma cama num quarto partilhado e com uma casa de banho que tem de dar para seis, às vezes mais. Dizem que a companhia ajuda a vencer a solidão, que é uma mais valia, o que me leva a crer que o inquilino paga menos pela cama do que por aquele que com ele priva, embora não tenha sido ele a escolher quem dorme no colchão ao lado.
É o espaço, a falta de espaço, o espaço privilegiado, o espaço sem espaço para encontrar um espaço, onde a privacidade possa ser exercida.
Pensando nisso, fujo como quem viu um monstro muito mau, forço-me a elevar o pensamento a outras dimensões, a desligar deste tipo de necessidades corriqueiras, e fixo-me na apelativa montra dum stand de automóveis de luxo.
A minha fixação na pintura metalizada coloca-me ao volante dum Jaguar amarelo, modelo único, assentos em pele, aquecidos para atenuar as dores que me vêm dos bicos de papagaio, GPS a luzir num écran de 10 polegadas, música a elevar-se de seis discretas colunas de som, ar condicionado quadrizona, sem botões, bastando-lhe o simples ato de pensar do condutor para as controlar, motor não poluente, silencioso como peixe mudo em águas calmas.
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Fecho os olhos e volto aos sítios por onde andei à cata dum quarto, ou duma casa que pudesse pagar com um salário de novecentos euros mensais.
Vejo as placas de estacionamento, as máquinas de pagamento, os lugares onde não é permitido parar. Penso na eletricidade, na água, na comida e em algo mais. Paga-se tudo!
A Terra foi colocada aqui pelas forças do Universo, sem dono, sem muros, sem limitações à sua ocupação, para ser usufruída livremente. Mas, em determinado momento, alguém se apoderou do que de todos era, lhe colocou cercas, arame farpado, lhe estipulou um preço. E passou a haver falta de espaço.
Reflito de novo: afinal não quero o Jaguar. De que me serviria? Um livro e uma garrafa de água, esses sim, sempre me darão para abrandar esta sede de saber que não me larga.
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