16/12/2023, 0:00 h
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Cultura Destaque Abílio Travessas
CULTURA
Conheci Mário Wilson, que já não vi jogar, no longínquo 1964 quando, convidado por um meu colega de curso, Rocha Dinis, coimbrinha muito ligado à Académica, orientou uma selecção universitária de futebol num torneio integrado na Queima das Fitas, em compita com equipas do Porto, Lisboa e da Academia Militar. E logo ali me deixou um conceito básico do jogo, o de que a equipa se deve deslocar no terreno como um bloco, sem grandes espaços entre os sectores. Algum protagonismo no campeonato universitário levou-me, na época seguinte, 64/65, a integrar os quadros da Associação Académica, depois de um teste no Estádio Municipal, no Calhabé; o teste correu de feição e, no regresso ao norte, aproveitei a boleia do mister Wilson que se deslocava a Santo Tirso para recrutar o Manuel António, promissor ponta de lança. Que veio a revelar-se um avançado eficaz ao lado de Jorge Humberto, regressado da aventura italiana, que tão depressa rematava direito à baliza como era capaz de matar um pombo, palavras bem humoradas do Capitão na magnífica biografia do jornalista Carlos Rias, que nos ajudou na feitura desta evocação.
A época, primeira de Wilson como treinador, correu de forma incomum face ao quarto lugar, a melhor classificação de sempre de uma Académica que sempre lutara pela manutenção. Para mim, terceiro guarda-redes atrás do titularíssimo João Maló, primeiro doutorado em Medicina Dentária – na apreciação de Wilson pensava essencialmente nos estudos. Atirar-se aos pés? Não gostava, podia aleijar-se – e do Viegas, os noventa minutos de pequena glória chegaram como suplente na vitória, 2-1, no Estádio das Antas.
Dele guardei ensinamentos que não recordo de outros treinadores. À frente do seu tempo, só Pedroto se lhe comparava, personalidades muito diferentes; nunca foram amigos, divergências desde o tempo em que Wilson foi seu adjunto na Briosa. Tivera em Cândido de Oliveira um mestre com quem muito aprendeu, como treinador de futebol e como homem e trouxera, coisa rara no panorama futebolístico nacional, um preparador físico, o prof. José Falcão.
Moçambicano culto, estudante universitário, frequentador das tertúlias coimbrãs, jogou ao lado dos africanos Daniel Chipenda, Araújo, José Júlio e França, homens de pensamento revolucionário, defensores da independência dos seus países de origem.
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Em 1962 dá-se a crise estudantil em Lisboa e Coimbra, consequência do famigerado DL 40 900 que visava controlar as eleições dos dirigentes associativos. O Dia do Estudante foi proibido e as manifestações violentamente reprimidas pela Polícia de Choque. Em Coimbra a agitação chegou ao futebol da Associação Académica, com os africanos no centro do furacão a tentarem a fuga para os seus países, a Pide no seu encalço.
Wilson intervém activamente conseguindo mesmo que Chipenda compareça a um exame na Universidade onde se deslocou em carro da polícia política com chauffeur e tudo, convencendo o temido inspector Sachetti de que não havia hipótese de fuga.
A contestação subia de intensidade com a Briosa a preparar-se para faltar ao jogo do campeonato com o Beira-Mar em solidariedade com a luta da academia. O Ministro da Educação – que tutelava o desporto e o futebol – resolveu o problema adiando o jogo e nomeando uma Comissão Administrativa para a Secção de Futebol e para as outras secções desportivas mais activas, o basquetebol, o voleibol e o râguebi. O último jogo do campeonato, com o Sporting, na Lusa Atenas, era de alto risco face à possibilidade de greve solidária, esperada pela academia. A Comissão Administrativa chama a casa dum elemento da Comissão o treinador e os jogadores um a um, perguntando-lhes se iam comparecer ao jogo ou não. A ameaça de prisão era real embora os africanos e Nuno, o Algarvio – cunhado de Zeca Afonso e com intervenção importante na fuga, numa traineira, a partir da Fuzeta - mais politizados, não quisessem jogar.
Mário Wilson, o capitão, conseguiu convencê-los da inutilidade da não comparência. Mas os estudantes não compreenderam as suas razões e a equipa foi recebida com assobios com o Velho Capitão, lesionado, na bancada, solidário, rodeado por elementos da Pide, PSP e GNR atentos a possíveis manifestações.
Depoimento de França Ndalu, general angolano e antigo jogador do Sporting e Académica: O Capitão viveu momentos difíceis connosco. Lembro-me daquele jogo com o Sporting, na altura da greve estudantil… (…) O Capitão era o capitão, o mais velho, o mais respeitado. Ele sabia que nós íamos fugir. A Pide andava atrás de nós.
O fim anunciado da velha Académica (iniciado com a referida Comissão Administrativa pois a Secção de Futebol não mais elegeu direcção) chegou com o 25 de Abril numa Assembleia Geral dos estudantes alegando que esta (a Secção de Futebol) funcionava à revelia dos princípios amadores que norteariam as restantes secções. (Académica-história do futebol. João Santana e João Mesquita). E nasceu o Clube Académico de Futebol, apelidado de Sintéctico pelo humor corrosivo dos simpatizantes do União de Coimbra…
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