02/02/2023, 0:00 h
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OPINIÃO POLÍTICA
LADAINHA
A muitos que se dizem indignados agora com os gastos sumptuosos com um altar em visita papal, digo:
Calai-vos! Andais distraídos ou só seletivamente atentos? Acreditáveis por acaso no Portugal do conceito constitucional de Estado laico, tão propalado e tão pouco praticado? Qual a novidade agora? Tolinhos…! Olhai! Nunca como agora procissões e outros eventos religiosos são objeto de tanto apreço, financiamento, e apoio de entidades públicas a todos os níveis. Nunca como agora...
Nunca como agora os partidos do poder tradicional, com ou sem alternância, estiveram tão intimamente ligados às estruturas da igreja, desde padres, religiosos a sacristãos, de escuteiros a irmandades, procurando o seu silêncio, estimulando a sua cegueira, manipulando a sua vontade. São quase irmãos-siameses.
Calai-vos! O divino e o profano convivem tão lindamente, debaixo do pálio e nos corredores do poder, que até o finado Dom Manuel Cerejeira haveria de sentir uma vã e pecadora inveja. É uma simbiose perfeita. Ó Republicanos históricos, de princípios seculares, vede! Ó socialistas moderados, de fraternidade igualitária, comovei-vos! Com uma pequena concessão conceptual, a laicidade atirada para a borda, tendes uma mais-valia significativa.
Com crescente ausência no terreno do Trabalho, com crescente ausência no espaço da Cultura e de Defesa do Património Histórico, com crescente ausência na responsabilidade em Apoios Sociais, ausente em tantas áreas do funcionamento da sociedade, a própria Igreja com as suas estruturas fez um autêntico franchising com o poder politico atual, com ou sem alternância, para erigir inúmeros altares de resignação, onde controle rebanhos de almas atormentadas e corpos desvalidos. Desse franchising resulta o atenuar da perda de credibilidade, da perda de influência, da perda de recursos financeiros.
Olhai! Com duas orações em público, ar pungido e três pancadas no peito, qualquer autarca do partido “certo” se torna um muito respeitado cristão convertido.
Pensai! Que interessa que um qualquer altar custe 2, 3, 5, ou mesmo 50 milhões de euros, se se cumpre o desígnio mútuo, profano e divino, de apaziguar, conformar, normalizar atos, comportamentos, ambições, projetos pessoais e da sociedade?
Calai-vos! Olhai! Orai! Resignai-vos ao óbvio, ao presente, ao exposto! O poder politico atual, com ou sem alternância, assegurará sempre um Conformismo Mínimo Garantido. Onde houver dor, sofrimento, desigualdade, injustiça, haverá sempre um placebo, uma panaceia, uma ilusão, uma diversão, uma alienação. Habituados desde crianças à prática da genuflexão e à reverência para quem nos olha de cima, nunca ousareis duvidar do discurso da inevitabilidade.
Portanto, vinde a nós os jovens de boa-fé e boa intenção de todo o mundo em peregrinação turístico-cultural-religiosa! Venha a nós o bom Papa Francisco e a sua palavra!
No final, faremos as contas. Se houver prejuízo o Estado aí estará para “colaborar”. Se der lucro, os fariseus do templo lhe darão destino. Em nome de Deus.
Cristiano Ribeiro, Membro do PCP
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