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Gazeta Paços de Ferreira

09/05/2022, 0:00 h

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O Jardim dos Cravos

Destaque

Mas quereremos nós retomar à seara estéril? Queremos nós voltar à total imperfeição, porque encontramos algumas imperfeições na obra inacabada d’Abril?

 

Neste canteiro do sul da Europa, a terra foi cinzenta e repressiva durante quase meio século.

O jardineiro-mor munido de regador na mão, derramava o sangue e o silêncio do seu próprio povo, no solo árido que idolatrava como Pátria. Era um tratador exímio do seu jardim, toda e qualquer planta que viesse em flor, era classificada como erva daninha, e queimada pela raiz.

Tinha grandes e severas alfaias, que devastavam tudo do Minho ao Algarve, enquanto enviava para outro continente, as suas jovens sementes, para lutarem num conflito sem sentido.

Era um majestoso jardineiro dum canteiro que vivia sempre na estação de inverno e que dava boa vida aos ‘portugueses de bem’, e uma vida de miséria ao povo.

Saber ler e escrever, e trabalhar por tostões, era este o expoente máximo da ambição da juventude, que tinha como certo: a guerra, e a tortura, se ousasse ‘resmungar’ da generosa dádiva do grande jardineiro do canteiro!

Um dia o jardineiro caiu, e noutro dia, no dia 25 de Abril caiu de velho o seu estado novo.

A partir desse dia, a liberdade inundou o canteiro e a vida dos portugueses pôde florir em todos os tons e expressões!

Passado outro quase meio século, a liberdade deu origem a uma vasta vegetação, de onde eclodiram muitas flores, e algumas ervas daninhas.

O jardim de cravos continua imperfeito, mas é incomparávelmente superior ao canteiro árido e seco que outrora existira.

Hoje o jardim é tão vasto, que permite que num canto deste canteiro existam cravos negros que prometem secar tudo à sua volta, e voltar a glorificar o antigo jardineiro.

Mas quereremos nós retomar à seara estéril? Queremos nós voltar à total imperfeição, porque encontramos algumas imperfeição na obra inacabada d’Abril?

Um dia contaram-me que um homem contratara um jardineiro muito jovem, para tratar dos seus canteiros. Apesar de receoso da sua juventude, o homem confiou nele.

No final do primeiro dia de trabalho, o jovem chegou perto do homem e pediu-lhe para fazer um telefonema. Embora não quisesse, o homem escutou a sua conversa:
- A senhora precisa dum jardineiro? – perguntou o jovem ao telefone.
- Não. Eu já tenho um. - respondeu a senhora do outra lado da linha.
- Mas eu para além de jardinar, também tiro o lixo.
- Obrigado, mas isso, o meu jardineiro já faz.
- E se lhe disser que eu limpo todas as ferramentas no final do serviço!
- O meu jardineiro… também faz isso...
- O meu preço é um dos melhores.
- Não, muito obrigada! O preço do meu jardineiro também é muito bom.
Depois do jardineiro desligar o telefone, o homem disse:
- Parece que não conseguiu uma nova cliente!
- Nada disso… Sabe… o jardineiro dela, sou eu! Estava a medir o quanto ela está satisfeita…

Eu nasci depois da revolução dos cravos, mas apesar do capítulo dos capitães de Abril, ter estado sempre naquelas últimas páginas dos manuais de História, que nunca foram lidas na sala de aula, eu não me deixei ensarilhar na ignorância e não me deixo levar pelo vento da desgraça, do racismo, da pena de morte e de outros aromas bafientos do passado.

Porque a liberdade que Abril instaurou neste jardim, liga aos portugueses várias vezes e chama-os à urna de voto, para medir a sua satisfação, e nós podemos nessa altura limar as imperfeições da democracia!

Mas atenção, lembrem-se que a liberdade de Abril, permite plantar laranjeiras, roseiras, frutos vermelhos, e outras iniciativas, mas neste jardim, ninguém pode tirar os cravos vermelhos!

 

Ricardo Jorge Neto
 

 

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