12/07/2021, 4:51 h
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Enquanto o pequeno Noah deambulava perdido por entre caminhos e não caminhos, um circo, que lhe será alheio durante alguns anos, se montou à pressa.
Tinha saído de casa de encontro ao seu pai, mas no seu ainda imperfeito sentido de orientação, acabou por se desviar duma rota conhecida, e partiu desnorteado por uma viagem de dez mil metros, durante 36 horas intermináveis e amargas para ele, e para todos o que o amam.
Noah, durante aquela jornada pelo meio do silêncio da natureza e da noite, não imaginaria o chinfrim caótico que saía das trompetas do turbilhão das televisões e das redes sociais.
Enquanto Noah procurava um final feliz para a sua aventura indesejada, apareciam por toda a parte zombeteiros proclamando a palavra da desgraça!
As redes sociais inundavam-se de publicações de apelos, mas, nas suas caixas de comentários, surgiam, de imediato, as primeiras ‘piadas’ e os primeiros insultos à família de quem destila ódio a cada palavra ou palavrão! Nas televisões, a notícia surgia como uma pizza acabadinha de sair do forno recheada de múltiplos condimentos, e, mal se retirou a primeira fatia, o queijo derretido fez-se estender por longas horas de massacre (des)informativo!
Surgiam novidades, em primeira hora, a todo o segundo, e noticias exclusivas repetidas vezes sem conta, num ritual de hipnose pura! De todo o lado somavam-se especialistas sobre tudo e sobre nada, a vida de Noah que vagueava distante, era esmiuçada até ao mais pequeno pormenor dos seus sub-pormenores da sua ainda tão curta vida. A sua família era afincadamente estudada, como se uma tese de doutoramento sobre ela fosse necessária entregar na próxima hora, sem falta! Dos especialistas/comentadores saíam as mais incríveis teorias, e, obviamente, em fundo, esteve sempre a presença da inexplicável ausência da menina inglesa, que ainda faz aberturas de telejornais catorze anos depois. Tudo se adensava e galopava para o caos, com as audiências a disparar, as redacções entravam em êxtase, e todos eram obrigatoriamente entrevistados, e foi uma pena a cadela do pequeno Noah não falar, porque daria um óptimo exclusivo no jornal das oito…
Mas tudo isto acabou, horas depois, porque o corajoso Noah fez-se aparecido, e, por entre o sentimento geral de alívio e alegria, sentia-se o odor da desilusão dos directores de informação, que assim eram de novo obrigados a regressar ao trabalho de…. informação.
Ainda se tentou criar o pânico, através da impossibilidade da criança ter conseguido reaparecer sem intervenção externa.
Aos olhos de quem faz quilómetros com o dedo indicador na tela dum telemóvel, uma criança não consegue caminhar 10 km, por isso começou-se a gritar: Rapto! Abdução alienígena! Violação!
Mas não, tudo em vão… o circo teve mesmo de fechar, e para eles a história encerrou com algo muito desagradável: um final feliz!
No fim, a lucrativa desgraça deu lugar à enfadonha felicidade, que só acumula pó nas prateleiras do arquivo…
A história do pequeno Noah fez-me lembrar a histórias das três rãs.
Conta-se que um dia, três rãs também se perderam, e num desses não caminhos, acabaram caindo num poço! No fundo do poço, as rãs ao ver o sol a reluzir lá em cima, começaram a saltar para as paredes, e das paredes para as outras paredes… mas acabavam sempre por cair de novo!
Então, uma delas já cansada decide desistir, e diz:
- Amigas desistam, não vale a pena, vamos morrer aqui dentro! Esqueçam…
E tanto a rã pregou este discurso derrotista que uma outra rã também desistiu, e se juntou ao recém-formado coro do negativismo!
Mas apesar de todo o ruído, a última e solitária rã continuou lutando para encontrar um final feliz para a sua história! E assim, ignorando os constantes clamores da desgraça, a rã, num salto incrível, consegue escapar do poço e prosseguir a sua vida!
A sorte da rã foi a mesma sorte de Noah! Ambos estavam alheios ao circo da calamidade que as ‘rãs de fundo poço’ preconizam!
E sim, não há erro, ambos estavam alheios! Porque se Noah não ouviu um único profeta da desgraça, que o fizesse enfraquecer na sua longa caminhada, também a rã não ouviu uma única palavra… porque das três rãs que caíram ao poço, a rã que escapou só se salvou, porque era surda!
Ricardo Neto
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