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Gazeta Paços de Ferreira

05/12/2023, 0:00 h

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Crónica dos idos de 60

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OPINIÃO

1963 – o ano do assassinato de J F Kennedy e de outros factos menores.
Coimbra era uma ressonância mítica, pela Universidade, pela Académica, pela praxe que nos esperava numa República, pela vida comunitária, em auto-gestão…

Por Abílio Travessas (Colunista e Professor aposentado)

OPINIÃO

 

 

Éramos quatro mas não um bando e, depois das peripécias da chegada a Coimbra, de comboio, com mudança na Estação Velha para apanhar a ligação à cidade, esperava-nos um 1º período sem grande estudo e uma vida nada airada. Poveiros todos, na República Trunfé Kopos, fundada por conterrâneos, a praxe para os caloiros era ainda mais dura pois pressupunha rapanço garantido e, no nosso caso, acrescido duma letra para o nome da casa formar – TRUNFO. A mim coube o F, ao Rui Martins, advogado, o T, ao António Guerreiro, fiscalista, o R e ao Zé Linhares, professor, o O, que lhe dava um ar de frade e levou uma sua colega das Letras a perguntar-lhe qual a Ordem religiosa que professava. Farto de o questionarem sobre qual a Ordem, um dia chegou das aulas e suplicou: “Oh! doutor, (Vasco, trunfo-mor) tire-me o O!”. O Artur Sá da Costa, consultor cultural de autarquia, vizinho e frequentador assíduo da República, mais tarde integrante, contribuiu com o N e, sobre o outro caloiro, o da letra U, não reza a história da casa.

 

 

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Não tínhamos direito a nome, não nos sentávamos à mesa com os doutores; restava-nos os três degraus da entrada de acesso à sala de jantar. No final das refeições o caloiro devia iniciar-se na oratória dissertando sobre tema, mais ou menos abstruso, parido da imaginação doutoral. O gozo a que o caloiro era submetido, o inteligente, não criava grande incómodo; o pior vinha do doutor bronco – O Sr. Doutor sabe ler?, perguntava o engraxador ao cliente, anedota ridicularizante da doutorice coimbrã – arribado da província, principalmente das Beiras, fornecedoras dos melhores espécimes. Mas nada a ver com as estúpidas praxes actuais, corruptelas imbecis e, por vezes, violentas, da praxe coimbrã, alicerçada em tradições seculares. O que não me impediu de lutar contra, mal acabado o ano das limitações à liberdade de circulação post badaladas da Cabra, porque nunca aceitei esses costumes arcaicos duma Coimbra parada no tempo, de sebentas de catedráticos sem contestação académica. Havia excepções, oásis no deserto e tive alguns a quem presto homenagem: Orlando de Carvalho, ao lado dos estudantes na crise de 69, exigente, cinéfilo com quem aprendi a gostar ainda mais de cinema; Pereira Coelho, no Direito da Família, Teixeira Ribeiro nas Finanças e não recordo mais nenhum; mas sim, um manual, A Teoria Geral da Relação Jurídica, do professor Manuel de Andrade, marco estruturante do Direito ou o «Direito por Excelência», segundo José Manuel Correia Pinto, um dos dez livros da sua vida. Correia Pinto foi Secretário de Estado dos Governos de Vasco Gonçalves, um d’os homens que trabalharam todos os dias ao seu lado (Revista Sábado – O Gabinete dos Revolucionários, 13/03/2014).

 

 

Mas Zeca começava a mudar a canção de Coimbra – numa casa de estudantes, na nossa rua do Bairro Silva Rosas, ouvi Os Vampiros, proibidíssimo - Adriano cantava os grandes poetas portugueses e A Trova do Vento Que Passa, de Manuel Alegre. Carlos Paredes e Fernando Alvim, ouvi-os no velho Teatro Avenida, demolido e trocado por sala modernaça e, mais tarde, no Teatro Académico de Gil Vicente.

 

 

A crise académica de 62, desencadeada pela proibição da comemoração do 1º Encontro Nacional de Estudantes Portugueses para debate dos problemas sociais e pedagógicos dos estudantes portugueses (César Oliveira, Os Anos decisivos) deixara marcas, com estudantes expulsos da Universidade, Comissão Administrativa na Associação Académica, o Teatro Académico fechado. Mas havia o Teatro Avenida, propriedade da Drª. Maria Judite Mendes de Abreu, oposicionista do Estado salazarista, dito Novo, os Ciclos de Teatro do CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) e do TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra), este mais clássico, Gil Vicente e dramaturgos gregos, orientação do prof. Paulo Quintela, germanista da Faculdade de Letras que, passeando com Joaquim Namorado, anti-fascista, matemático proibido de leccionar, na alameda do Palácio de S. Marcos, arredores de Coimbra, foi cumprimentado pelo putativo rei que se apresentou: D. Duarte Nuno de Bragança!. Resposta de Paulo Quintela, transmontano: Eu sou de lá perto!

 

 

Não menos importante, os comícios, sala do Avenida sempre cheia e vigiada pela Pide (mão amiga fez-me chegar documentação do arquivo da Polícia secreta, em que apareciam nomes de vários repúblicos por terem assinado pedido de comemoração do 31 de Janeiro de 1891 e de terem assistido, na velha sala, à sessão, entretanto autorizada); as Quintas-feiras Clássicas de bom cinema, além do Cine-clube, filmes acompanhados de folhetos explicativos do filme e do realizador.

 

 

 

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