Morreu Alves Barbosa, o meu primeiro ídolo do ciclismo português. A bicicleta e o amor pelo ciclismo sempre me acompanharam, aprendíamos a bicicletar muito cedo, de início apenas com um pé no pedal. Nos anos cinquenta a festa na aldeia era trazida pela passagem da caravana da Volta a Portugal, que nos passava à porta na EN 13. Festa colorida a interromper a monotonia do dia a dia.
Alves Barbosa era um corredor diferente. Não apenas meu ídolo, também dos meus irmãos, estudantes no Liceu da Póvoa, tinha o 5º ano (actual 9º) em contraste com a maioria dos ciclistas, vindos da classe operária, que usava a bicicleta para se deslocar para o trabalho.

Natural de Montemor-o-Velho, decidiu-se pelo ciclismo profissional após completar o 5º ano no Liceu da Figueira da Foz, para onde se deslocava diariamente de bicicleta. Treinado pelo pai, antigo ciclista, com método de treino rigoroso, muito à frente na sua época.
“Enquanto o treino de Trindade e Nicolau se caracterizava pela liberdade de acção, o de Alves Barbosa pauta-se pela disciplina e coacção”. “(…) Eu, aos 16 anos ou 17, já treinava duas vezes por dia…”.
Se era inovador, o treino do pai – aeróbico – sofria do desconhecimento de alguns princípios básicos sobre a alimentação adequada ao esforço dum ciclista. “Ele ia comigo na mota até à Serra da Lousã, Miranda do Corvo, Montemor, Coimbra e, a dada altura, rebento com hipoglicemia!”. O pai não o deixa hidratar-se o necessário, o que não acontece quando treina sozinho parando para repousar e beber uma cerveja.
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Joaquim Agostinho bebia sempre uma cerveja ao jantar durante as grandes voltas.
Quando o ciclismo em Portugal já era pequeno para ele, “o pai considera importante encetar contactos para que o filho vá correr para França”, na equipa do Luxemburgo, com corredores de vários países, cujo chefe era o grande Charly Gaul.
Termina no 10º lugar na volta de 56, lugar de grande destaque que Joaquim Agostinho melhorará, com dois terceiros lugares. Mas “fora do controlo autoritário do pai, descobre também um estilo de vida diferente”, mais livre e contrastante com o que vivia em Portugal.
O grande rival de Alves Barbosa foi Ribeiro da Silva, um talento morto precocemente –não gostam os deuses, deles, jovens? - que tinha conseguido um 4º lugar na Vuelta e o 1º no alto do mítico Tourmalet do Tour de França. Teria sido um ciclista, quem sabe, ao nível de Agostinho.

Nota: Para escrever esta crónica socorri-me do livro Volta a Portugal em bicicleta – Territórios, Narrativas e Identidades, uma “investigação realizada para o doutoramento em Sociologia” de Ana Santos, com orientação de Joaquim Pais de Brito, professor do ISCTE e director da colecção Portugal de Perto, Biblioteca de Etnografia e Antropologia, das Publicações Dom Quixote.
“Ana Santos, socio-antropóloga portuguesa, é professora auxiliar na Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Motricidade Humana. Especializou-se em sociologia do desporto com vários estudos publicados. Foi aluna de Joaquim Pais de Brito durante o mestrado e defendeu o doutoramento com ele” – do livro Muitas coisas e um pássaro – Joaquim Pais de Brito.
Abílio Travessas, Professor Aposentado
