26/10/2021, 0:00 h
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A TARFIFA SOCIAL É ALGO DE ENGANADOR E DISSIMULA BEM MAL O PREÇO AO CONSUMIDOR
O Regulador das Comunicações Electrónicas, precedendo deliberação do seu Conselho de Administração, entendeu propor ao Governo:
• a aplicação de uma mensalidade de 6,15 euros (5 € a que acresce o IVA à razão de 23%) para o serviço de acesso à Internet em banda larga, considerando-se que esse valor permite ir ao encontro do objectivo de garantia da acessibilidade do preço para os consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais para o referido serviço;
• a fixação de um preço máximo de 26,38 euros (21,45 euros com IVA à razão de 23%) como contrapartida pela activação do serviço, e/ou de equipamentos de acesso, nomeadamente routers.
Com o objectivo de dar cumprimento à referida obrigação de definição da largura de banda necessária para a prestação do serviço de acesso à Internet em banda larga, prevista no referido diploma legal, bem como dos parâmetros mínimos de qualidade de serviço, nomeadamente velocidade de download e upload, a decisão final aprovada pelo Regulador aponta :
• para assegurar a prestação do conjunto de serviços que deve ser suportado pelo serviço de acesso à Internet previsto no n.º 1 do art.º 3.º do DL n.º 66/2021, de 30 de Julho, as empresas prestadoras do serviço devem assegurar um débito mínimo de download de 30 Mbps e um débito mínimo de upload de 3 Mbps.
• o valor mínimo de tráfego mensal a ser incluído na oferta associada à tarifa social de acesso à Internet em banda larga deve ser de 30 GB.
A Entidade reguladora entendeu justificar-se efectuar uma reponderação dos elementos já considerados no sentido provável de decisão, promovendo o aumento dos atributos associados à tarifa social, nomeadamente, permitindo a todos os elementos de um agregado familiar terem acesso ao conjunto mínimo de serviços que deve ser garantido por essa tarifa, com uma experiência satisfatória de utilização do serviço não condicionando de forma significativa a sua utilização. Estes requisitos visam também reforçar os objectivos inerentes à política de serviço universal, designadamente a adopção de medidas que evitem o risco de exclusão social, havendo a necessidade de garantir condições a ser aplicáveis na tarifa social que não coloquem os beneficiários desta oferta numa situação claramente desfavorável face aos restantes utilizadores de serviços de Internet, permitindo-lhes uma adequada participação na economia e sociedade digital.
Note-se, a este respeito, que já em 2012, na estratégia nacional para a banda larga, se definiu como objectivo para o acesso básico que, em 2020, toda a população tivesse ao nível do acesso a uma conexão de banda larga fixa de 30 Mbps.
Refira-se que, não estando em causa uma obrigação de disponibilidade de rede, a fixação de débitos mais elevados para a tarifa social pode ser prestada com impacto negligenciável nos prestadores, atendendo a que as infra-estruturas/redes suportam diferentes valores de débitos sem custos marginais adicionais significativos, uma vez superado o custo fixo de construção das redes.
Os valores afiguram-se-nos desmarcados da geometria da lei, para além de a entidade regulatória parecer estar a iludir a realidade:
Quando apresenta a prestação mensal como 5€ à cabeça e, depois, envergonhadamente entre parêntesis o IVA à razão de 23%, como se o imposto não se tivesse de adicionar ao montante definido, parece estar a cumprir um objectivo ou uma “estratégia mercadológica” ao estilo das vendas cujo o preço é de 4,99€, em que os consumidores lêem 4, mas pagam 5…
Ademais, parece que o montante do impulso inicial não se enquadra nem na letra nem no seu espírito da lei por dever ser representado por um valor único mensal, por uma mensalidade uniformemente definida, que não por impulso mais mensalidade.
E assim tende a mascarar-se o montante.
Aliás, é patente o facto, já que não começa por apresentar um tal preço (o do impulso), por elevado, mas a mensalidade, por mais “moderada”. Só depois é que aparece o valor que tem de ser pago à cabeça.
O que quer significar que o montante inicial onera mais os que tiverem por pouco tempo o serviço, por razões de sua conveniência e necessidades próprias, que os mais que se alonguem no tempo vinculados às empresas de comunicações electrónicas. Como parece, de resto, elementar.
Aliás (e esta consideração releva para os mais serviços públicos essenciais…), fazer incidir o Imposto sobre Valor Acrescentado à razão de 23%, como se de um artigo de luxo se tratasse, é algo de descabido e só num regime com um sistema fiscal sumamente injusto é que tal se “consente”…
Ademais, tratando-se de uma “tarifa social”, deveria haver neste ponto “benefícios fiscais” (há benefícios concedidos a quem menos merece porque, circunstancialmente, dotados de condições mais que favoráveis nos domínios em que preponderam): a menos que o governo, ao que parece, dedilhe o anexim “os pobres que paguem a crise”…
O menos que admitir se poderia era que houvesse uma isenção fiscal para os economicamente débeis que acedam ao serviço universal da internet, como forma de acomodação numa Sociedade Digital, de todo não talhada para os deserdados da fortuna, menos ainda com estes arremedos de duvidosa eficácia e justiça fiscal…
O mundo não é perfeito! Menos ainda quando se pinta das cores de uma Sociedade Digital para abastados e dos que lhes seguem na peugada, arrastando consigo as hostes de indigentes que, entre nós, se vão avolumando de forma abissal!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
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