27/07/2021, 21:34 h
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Nos próximos dias o mundo irá centrar-se no Japão para seguir atentamente os Jogos Olímpicos, a partir da cidade de Tokyo. Contudo a prova rainha das Olimpíadas, a maratona, realizar-se-á em Sapporo no norte do país, devido ao imenso calor da capital.
A corrida de longa distância tem uma raiz bem profunda na história do país do sol nascente. Exemplo desta ligação antiga são os mensageiros, conhecidos por hiyaku, que percorriam quilómetros até ao destino, e os monges maratonistas, de onde se destacam os monges budistas Tendai do Monte Hiei, perto de Kyoto.
O desafio mais exigente destes monges chama-se de sennichi kaihōgyō, e coloca diante destes monges ou superatletas de ultra-trail, um simples (de escrever) objectivo: correr 1000 ‘maratonas’ em 1000 dias para alcançar a plenitude budista e se tornar num gyoja.
O desafio é tão além das capacidades humanas que de 1885 até hoje, apenas 46 monges o terminaram. Todos os outros sucumbiram durante o desafio.
No primeiro ano, os monges correm 30-40 km, por dia durante 100 dias. No dia seguinte a completar esta primeira série, o monge decide se quem parar e regressar à vida monástica ou se pretende realizar o desafio até ao fim, tocando o sino do mosteiro. Se o fizer terá de repetir os 100 dias x 30-40 km nos próximos 3 anos, e ao quinto ano correrá 200 dias x 30-40km. No sexto ano correrá 60 km por dia, durante 100 dias, e no sétimo e último ano correrá 84 km por dia durante 100 dias, e mais 30-40 km por dia nos últimos 100 dias.
Somando, são 1000 dias e cerca 38 400 km…
Com estas práticas desportivas/espirituais, não foi de estranhar que este país se tenha estreado nos Jogos Olímpicos de 1912 em Estocolmo com dois atletas: um velocista e um maratonista…
O maratonista estreante pelo Japão em Estocolmo era Shizo Kanakuri, hoje conhecido no seu país como o ‘Pai da Maratona’. O seu nome ‘Shizo’ significa 43, porque quando nasceu o seu pai tinha precisamente 43 anos, sendo o sétimo de oito filhos. Caso tivesse nascido um pouco mais cedo poderia ter sido chamado de 42, a distância da maratona, mas a sua curiosa vida, não necessitou desta coincidência.
Em 1911, um ano antes dos Jogos Olímpicos, realizou-se no Japão a primeira maratona, e Shizo Kanakuri venceu com o tempo de 2h32min45s, realizando supostamente o recorde mundial na época. Desta forma Kanakuri chegou à Suécia como um dos candidatos a vencer a maratona.
Mas nessa altura as viagens para a Europa faziam-se de barco, e Kanakuri na sua longa viagem para a Suécia teve de treinar no barco. A somar-se a este constrangimento, a alimentação na Europa era diferente, assim como o piso do percurso.
Ao 32º quilómetro da maratona olímpica, Kanakuri magoou-se no joelho e caiu, acabando por desistir. Sem avisar os juízes de prova, Kanakuri abandona o país e regressou a casa.
Para o registo da prova, o atleta nipónico foi dado como desaparecido. Ainda voltaria a correr nos Jogos Olímpicos de Antuérpia em 1920 ficando em 16º, e nos jogos de Paris em 1924, desistindo.
A sua vida continuou dedicada à Maratona, sonhando ver um dia um japonês vencer a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Este feito ocorreu apenas 17 anos após a sua morte com a vitória da atleta Naoko Takahashi nos jogos de Sidney.
Mas a vida de Shizo Kanaguri ficou marcada para sempre na história, pela sua primeira participação nos Jogos Olímpicos. Isto porque em Março de 1967, o Comité Olímpico Sueco convidou-o para vir a Estocolmo, para assim poder finalizar a maratona que tinha iniciado em 1912. Shizo Kanakuri acedeu ao pedido, e com 76 anos correu a parte final dentro do estádio, e cortou a meta dizendo: ‘’Shizo Kanakuri do Japão completou agora a sua maratona’’!
Para a história ficou a marca mais demorada para uma maratona, Kanakuri completou a sua maratona em 54 anos, 8 meses, 246 dias, 5 horas e 32 segundos.
Apesar de longa, nenhuma outra maratona deu a um homem tantas alegrias no seu percurso. Durante esta corrida Shizo conheceu e casou com a mulher que amava, foi pai seis vezes, e foi avô 10 vezes… sem nunca ter realizado as 1000 maratonas dos monges, acho que Kanakuri que faleceu com 92 anos conseguiu também atingir a plenitude!
Ricardo Neto
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