30/01/2021, 0:29 h
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Queria recuperar o dom de escrever. As palavras que guardei por medo e outras tantas que me escaparam por falta de coragem para as colocar no papel.
Queria recuperar o desassossego que sentia quando não podia escrever e também a paz e a harmonia que me aconchegavam sempre que me debruçava sobre um caderno.
Queria recuperar a alegria que sentia em brincar com as palavras e as feridas que esmiuçava no meu peito para encontrar a dor que me inspirava.
Queria recuperar as noites em que me deixava dormir sobre a secretária depois de horas a fio a entregar-me de corpo e alma ao papel, a doar-me às histórias que criava, às personagens que inventava... A um mundo novo que era só meu e ao qual só eu poderia aceder.
A escrita costumava representar dor e amor, alegria e tristeza. A escrita costumava ser parte de mim, tão real quanto o ar que respiro, tão perfeita como o amanhecer de um novo dia, mas, hoje... Já não resta mais nada.
A escrita costumava salvar-me, do mundo, dos demónios e até de mim mesma, mas, hoje... Hoje já não consigo escrever.
Esgotaram-se as forças, o dom pereceu, o chão abriu sob os meus pés, e não há palavras no mundo que sejam capazes de recompor o caos que se instalou dentro de mim.
Não sei o que posso fazer para voltar a escrever, não sei se há algo que me possa valer ou se há um caminho que me possa levar de volta ao lugar remoto onde tantas vezes me encontrei; o lugar onde todos os sonhos eram possíveis, onde a dor era poesia e o amor não esmorecia.
Queria recuperar o dom da escrita, oxalá passasse esta sensação de vazio, de impotência. Oxalá passasse esta sensação constante de não saber onde estou, quem sou ou para onde vou. Porque se sentir de mais é um tormento, nada sentir é um veneno.
Letícia Brito
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