27/11/2020, 16:45 h
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Às vezes dá-me para isto: pegar num dicionário e abri-lo numa página ao acaso. Hoje surgiu-me a palavra corrupção. Li os significados: “comportamento desonesto, ilegal; o mesmo que putrefação”. E, num estalar de dedos, veio-me à memória um ex-primeiro ministro que declarou metade do valor da sua vivenda no Algarve para escapar ao IMI; e pensei no mesmo indivíduo, que lucrou imenso com os favores do BPN, mas que mentiu aos portugueses ao afirmar que nada tinha a ver com o referido banco; e pensei no governo desse mesmo senhor, de cuja equipa saíram quase todos os administradores do BPN, do tal banco em que “comportamento desonesto e putrefação” tresandam a fezes quentes em tardes de verão.
Depois lembrei-me de governantes que assinaram decretos que proporcionaram lucros colossais a grandes empresas, e confirmei que um ex-ministro que não se afundou com os submarinos de triste memória entrou para o Conselho Estratégico de uma delas.
Entretanto, deixando-me cegar pela miopia que carateriza certos portugueses em períodos eleitorais, olhei para mais perto, a tentar esquecer os comportamentos desonestos, por vezes mesmo fraudulentos, de políticos/ governantes que têm detido o poder em Portugal. Fechei o olho esquerdo, para que o direito não confirmasse o que o outro via, mas nem assim escapei às visões mais tormentosas:
um ex-primeiro ministro, suspeito sabe-se lá de quê, recebia milhões de euros de amigos, com a mesma naturalidade com que eu aceito a chuva em abril;
um ministro das Finanças, cumpria escrupulosamente as ordens dos chefões do FMI, espremendo-nos o salário até à medula, e, de seguida, foi receber um ordenado milionário no organismo que o tutelou nas tais operações;
uma ministra, também ela das Finanças, negociava os interesses do país com uma instituição financeira internacional e depois foi contratada para defender os interesses desta;
um presidente da Comissão Europeia privava com os donos do todo poderoso Goldman Sacks, enquanto estes sugavam os recursos de vários países europeus dando conselhos traiçoeiros, e, de seguida, sem a mínima decência, entrou na administração dessa desgraça pública das nações;
deputados garantiam subvenções vitalícias para si mesmos, o que nos custa dez milhões por ano, e altas patentes das forças armadas são suspeitos de desviar outro tanto.
No ar asfixiam-nos com os fétidos aromas da putrefação; na terra, limpam-nos a carne e entregam-nos à bicharada.
Joaquim António Leal
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