Por
Gazeta Paços de Ferreira

25/05/2021, 1:37 h

128

Croniquetas em tempo de lamber feridas | 8. O ESTRONDO ADIVINHADO

Cultura

Numa recomposição do pavilhão Covid, motivado por saídas de doentes e de outras tantas entradas, destinaram-me um lugar mais interior, mais resguardado do frio, numa cadeira que me permitia recostar e estender as pernas! A minha postura resiliente e resignada começou a dar nas vistas.

Foram colocados dois homens ao meu lado, um à esquerda, outro à direita. O da esquerda olhava a enfermeira com cara de poucos amigos, não queria o oxigénio, embora ainda fosse tolerando a máscara (que aliás ajudava a manter nas narinas os tirantes de plástico que, colocados ao pescoço e ligeiramente apertados nas orelhas, ali eram muito razoavelmente mantidos sem problemas).

Mal a funcionária se levanta, ele inquieta-se, desobedece, levanta-se, e dirige-se para nenhures. Tem cerca de três metros de autonomia. Não se apercebe do fio. Cambaleia, estico-lhe a perna esquerda a tempo de lhe evitar a queda. Nem cinco minutos depois, lá quer ele ir de novo para junto da mulher que também lá estava, em frente dele. Só tenho tempo de lhe dizer, moderadamente, três vezes:

– Cuidado! Cuidado! Cuidado!

Qual quê! Foi até ao limite, apercebeu-se do puxão, voltou para o lugar. Pensei: este homem ainda hoje vai parar ao chão.

Passada meia-hora fui à casa de banho e à distância de 20 metros ouço um estrondo: aí tínhamos o homem a cumprir com estrondo o seu destino!

O pavilhão estava cheio de gente desta; sem resiliência, sem estoicismo, à deriva completa, desnorteamento total. Como disse noutra das croniquetas, mais um a escolher o seu próprio destino. Muitos como ele, muitos.

Mas também tive ocasião de admirar o porte de outros que, com dignidade, ali se mantiveram tesos e disciplinados nesta borrasca decisiva da vida deles. O caso de uma senhora preta retinta, muito bela, por exemplo, que ali se mantinha silenciosa, resignada a esta chapada da vida, fazendo tudo como lhe mandavam! Até bem cuidada foi no seu trajar (tal como eu tive esse cuidado). A dignidade é um bem por demais precioso. Pijamas, robes, chinelos? Ná! Havia ali de tudo, porém, como cá fora: uma amostra da nossa sociedade

Eduardo Ribeiro, Jurista, Aposentado

ASSINE E DIVULGUE GAZETA DE PAÇOS DE FERREIRA

ASSINATURA ANUAL DA EDIÇÃO ELECTRÓNICA – 10 EUROS

ASSINATURA ANUAL DA EDIÇÃO IMPRESSA (COM ACESSO GRATUITO À EDIÇÃO ELECTÓNICA) 20 EUROS

Opinião

Opinião

Cascas de banana…

17/08/2025

Opinião

De tostão em tostão… se alcança o milhão ou a dimensão colectiva dos direitos do consumidor

13/08/2025

Opinião

A Bolsa de Valores

11/08/2025

Opinião

Gastroparésia: Quando o estômago perde o ritmo

10/08/2025