25/05/2021, 1:37 h
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Numa recomposição do pavilhão Covid, motivado por saídas de doentes e de outras tantas entradas, destinaram-me um lugar mais interior, mais resguardado do frio, numa cadeira que me permitia recostar e estender as pernas! A minha postura resiliente e resignada começou a dar nas vistas.
Foram colocados dois homens ao meu lado, um à esquerda, outro à direita. O da esquerda olhava a enfermeira com cara de poucos amigos, não queria o oxigénio, embora ainda fosse tolerando a máscara (que aliás ajudava a manter nas narinas os tirantes de plástico que, colocados ao pescoço e ligeiramente apertados nas orelhas, ali eram muito razoavelmente mantidos sem problemas).
Mal a funcionária se levanta, ele inquieta-se, desobedece, levanta-se, e dirige-se para nenhures. Tem cerca de três metros de autonomia. Não se apercebe do fio. Cambaleia, estico-lhe a perna esquerda a tempo de lhe evitar a queda. Nem cinco minutos depois, lá quer ele ir de novo para junto da mulher que também lá estava, em frente dele. Só tenho tempo de lhe dizer, moderadamente, três vezes:
– Cuidado! Cuidado! Cuidado!
Qual quê! Foi até ao limite, apercebeu-se do puxão, voltou para o lugar. Pensei: este homem ainda hoje vai parar ao chão.
Passada meia-hora fui à casa de banho e à distância de 20 metros ouço um estrondo: aí tínhamos o homem a cumprir com estrondo o seu destino!
O pavilhão estava cheio de gente desta; sem resiliência, sem estoicismo, à deriva completa, desnorteamento total. Como disse noutra das croniquetas, mais um a escolher o seu próprio destino. Muitos como ele, muitos.
Mas também tive ocasião de admirar o porte de outros que, com dignidade, ali se mantiveram tesos e disciplinados nesta borrasca decisiva da vida deles. O caso de uma senhora preta retinta, muito bela, por exemplo, que ali se mantinha silenciosa, resignada a esta chapada da vida, fazendo tudo como lhe mandavam! Até bem cuidada foi no seu trajar (tal como eu tive esse cuidado). A dignidade é um bem por demais precioso. Pijamas, robes, chinelos? Ná! Havia ali de tudo, porém, como cá fora: uma amostra da nossa sociedade
Eduardo Ribeiro, Jurista, Aposentado
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