19/09/2020, 14:50 h
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Como Torga conseguiu engarrafar o sol que brilha sobre o “rio de oiro”, também Joel Neto conseguiu aprisionar em, “A Vida no Campo”, a essência da ilha, a essência de todo um arquipélago e de tudo isto a que, comummente, designamos por ser ilhéu!
Tal como o fizera em “Arquipélago”, o autor volta a engalanar a ilha. Por ele, e valendo-se de uma escrita – aparentemente simples e escorreita –, a Terceira torna-se ainda mais bela e apetecível:
«Viemos por quatro ou cinco anos e, agora, quatro ou cinco anos não vão bastar.»
Cada entrada deste diário surge-nos como um retrato pictórico altamente contagiante e esteticamente belo, sem abdicar, jamais, de um realismo e veracidade ímpares, do que será a vivência quotidiana no Lugar dos Dois Caminhos, na ilha Terceira:
«Se me pedirem para reduzir ao essencial a diferença entre o campo e a cidade, então aí está ela: o efeito que tem em nós uma sirene no horizonte. Na cidade, é apenas mais uma sirene. Aqui, há uma boa hipótese de se tratar de alguém que conhecemos, talvez até de alguém que estimamos.»
O seu ato discursivo, verdadeiramente apaixonado e completamente comprometido com a ilha, não deixa de ser revelador do longo êxodo a que o autor se viu sujeito. Dir-se-á que o seu regresso é aqui amplamente festejado, mesmo sem o ser verdadeiramente:
«Mas comê-la [alcatra] na cozinha da infância, servida desta vez não a um filho de visita mas a um filho regressado, foi como começar de novo. Sabia-me a terramotos e a redenção.», ou ainda, «Tornei-me um turista em Lisboa e, de súbito, Lisboa ficou linda.»
Pela sua capacidade insigne de mapear sentimentos, pela aptidão em transformar casuais reencontros em quadros verdadeiramente afetivos, pela forma como o próprio autor se oferece à ilha – aos seus costumes e tradições –, não será, pois, desacertado afirmar-se que Joel Neto está indelevelmente ligado à sua própria ilha, e ainda bem, arrisco!
Com as devidas cautelas e distanciamentos que a geografia literária impõe, talvez os mais afoitos possam agora afirmar que, com o livro em punho, sair-se da ilha não mais seja a pior forma de nela ficar: poderemos agora levá-la connosco, transportá-la um pouco mais próximo do coração, à distância de uma leitura fugaz, arrebatada e, porque não, apaixonada!
A todos, um abraço dos maiores!
Livro vencedor do GRANDE PRÉMIO DE LITERATURA BIOGRÁFICA da Associação Portuguesa de Escritores/Câmara Municipal de Castelo Branco 2019.
Joel Neto, «A Vida no Campo», Marcador, Maio, 2016
Telmo R. Nunes
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