Por
Gazeta Paços de Ferreira

27/06/2021, 1:26 h

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A MINHA IDADE, HOJE

Cultura

No passado dia 10 foi o meu aniversário e hoje todos me perguntam quantos anos tenho, e eu não sei dizer.

Nasci noutros tempos, talvez num quarto alumiado por uma candeia a petróleo, o vidro fosco do fumo, e a minha mãe deitada na cama, com a minha avó Ana e a senhora Maria Vendeira a assisti-la no parto.

Não tenho por hábito jurar, senão iria jurar que me lembrava daquela noite: gemidos a escaparem da boca da parturiente, expressões de consolo atiradas pelas assistentes e sombras, muitas sombras de fantasmas, que o bruxulear da chama projetava nas paredes e no chão.

Havia um relógio de corda na mesinha de cabeceira, despertador para outras horas, e uma bacia de zinco com água morna sobre uma pequena mesa.

Não tenho a certeza se me lembro, porque há memórias que o são apenas de ouvirmos contar histórias, as nossas histórias, e de repetidas vezes que são contadas, apropriamo-nos delas, como se fossem nossas.

Mas que havia o quarto, uma cama de ferro, a minha avó Ana e a senhora Maria Vendeira, disso não tenho a menor dúvida, porque tive várias oportunidades de confirmar.

Nasci há muito, e perguntam-me os anos de vida que já tenho, porém não sou capaz de dizer. Não havia nas quatro paredes lisas do quarto um único calendário onde pudesse ter lido o dia ou o mês. Disseram-me mais tarde, muito mais tarde, que tudo aconteceu num junho muito quente, num dia em que os lavradores (como os meus pais) não guardavam o feriado, porque havia animais para alimentar. Era necessário ir ao campo, segar a erva e distribui-la de acordo com o tamanho de cada animal.

Perguntam-me a minha idade, e, para responder corretamente, basta-me saber o ano em que nasci. Contudo, como já disse, não havia calendário algum dependurado nas paredes, um local onde pudesse ter lido o ano inscrito no topo da folha. Agora bastar-me-ia fazer as contas.

Há dias foi o meu aniversário e hoje perguntam-me quantos anos fiz. Já disse que não sei, não os contei.

Sei que percorri vários caminhos, nem todos a direito, alguns bem tortuosos, outros mesmo a andar para trás. E sei que a minha vida não é uma soma, mas um acumular das experiências e memórias, e de sonhos, e de esperanças.

Sei que, olhando para trás, a única coisa que consigo aproveitar é o impulso desses tempos para me lançar em direção ao futuro, e que aí vejo que tenho muito mais a fazer do que aquilo que já fiz.

Estarei a meio da viagem? Um pouco mais do que isso?

Não tenho forma de saber.

Mas, se assim for, a minha idade, hoje, é o meio termo entre aquilo que recordo e o que ainda pretendo realizar. E isso não pode medir-se em anos, meses, basear-se num calendário qualquer, ainda que exista, dependurado numa parede do quarto onde nasci.

11-06-2021

Joaquim António Leal

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