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Gazeta Paços de Ferreira

12/04/2025, 0:00 h

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MEU AMADO PROFESSOR MANUEL SÉRGIO

Desporto José Neto Opinião

OPINIÃO

Por vezes surgem notícias que nos remetem para um silêncio coroado de imagens de ternura…carinho…paz…por quem acaba de partir fisicamente e no decorrer do tempo nos ajudou a renovar em cada momento pela sensibilidade, ética e compaixão ontológica e de forma tão generosa, a arma das ideias.

Por José Neto (Doutorado em Ciências do Desporto; Docente Universitário; Embaixador Nacional para a Ética e Fair Play no Desporto)

 

Conheci o PROFESSOR MANUEL SÉRGIO no início da década de 80 através de outro catedrático do meu temp(l)o de existência, Mestre PEDROTO, quando em determinado dia, me questionou se conhecia o PROFESSOR.

 

Eu respondi que tinha lido algo da sua já vasta obra, muito especialmente num dos livros: Filosofia das Atividades Corporais. Ed.Compendium (1979), em que defendia a senilidade da Educação Física, alegando que se tratava de uma prática cartesiana centrada unicamente no corpo entendido como “res extensa”, e apontava já para o erro grave de uma preparação física, no desporto de alta competição, separada da preparação técnica, tática, psicológica e mental, acrescentando que não havia educação de físicos para a formação de bestas esplêndidas, mas de homens e completava: “ o estudo do corpo em ato onde a carne, o sangue, o desejo, o prazer, a rebeldia, as emoções, os sentimentos, tudo isto visando a solidária transcendência pela superação”.

 

Respondeu-me o Sr. Pedroto, confirmando-me as ideias que o PROFESSOR defendia, considerando até este filósofo como um “profeta” pois lhe parecia sem dúvida que no desporto a primazia do humano na sua globalidade, sobre o físico, o tático e o psicológico na prática para o sucesso e me afirmou de forma imediata: “eu vou apresentar-lhe o PROFESSOR. No próximo fim de semana vamos jogar contra o S.L.Benfica e ele virá jantar connosco ao Hotel Tivoli Jardim”, onde estagiávamos.

 

Assim aconteceu e após o jantar, a conversa durou pela noite adentro, envolta num diálogo em permanente aprendizagem e que, movido por uma sintonia de cumplicidade jamais deixei de lhe prestar a minha reverente proximidade.

 

Até porque a doutrina do PROFESSOR MANUEL SÉRGIO era para a época e para alguns peregrinos da verdade contra os arautos do azedume, um corte radical porque reformula a partir dos finais da década de 70 o próprio conceito de treino desportivo ao dizer que não pode haver preparo físico independente do modelo de jogo, adiantando que na preparação física, técnica, tática, fisiológica, psicológica e espiritual, o todo terá de ser uma referência constante pela sua complexidade, onde a ciência e a consciência não se pode limitar aos gastos neuromusculares e energéticos. De facto, as suas ideias deram origem a uma nova ciência, da motricidade humana, em que não se investiga um movimento qualquer, mas movimentos intencionais com significado e sentido renovado. Afirmava: “o conhecimento nasce da dúvida e alimenta-se da incerteza e , … não há teoria sem prática, nem prática sem teoria … teoria sem prática é pura especulação, prática sem teoria, uma mera repetição, apelando para a prática sustentada pela investigação e pela ciência, como fundamental critério para apurar a verdade.” Aliás como refere a base da criação da cátedra Manuel Sérgio (DESPORTO ÉTICA E TRANSCENDÊNCIA), atribuída há 2 anos pela Universidade Católica, sugestão do nosso Cardeal Doutor Tolentino de Mendonça, no momento Magnífico Vice-Reitor da Universidade Católica e hoje conselheiro nas áreas da Cultura e Educação de Sua Santidade Papa Francisco.

 

 

 

 

Querido e amado PROFESSOR – jamais o poderei esquecer. Recordo quando concluiu os 75 anos de vida, o homenageamos na minha autarquia de Paços de Ferreira, repetindo o tributo num dos vários Congressos Internacionais de Futebol no então Instituto Universitário da Maia, agora universidade da Maia, onde durante alguns anos tivemos a honra de o ter junto de nós como líder carismático e sendo colegas… eternos aprendizes!... Recordo que, quer na sala de aulas, quer nos corredores de acesso, sempre que o PROFESSOR se deslocava, acontecia primavera, tal era o entusiasmo contagiante de quem o acompanhava, sentindo-se iluminado pelos seus passos.

 

Quantas eram as vezes que, quer no decorrer das aulas nos cursos de treinadores, ou perante os alunos da universidade, usava o telefone e em som aberto nos confiava palavras sábias, dum reconhecido fervilhar encantamento. No final, claro, aquele aplauso coletivo, sentindo do outro lado um sorriso de ternura candente.

 

Todas as semanas tinha o privilégio de escutar a voz atenta do conselheiro e a confidência sedutora do meu” pai de afetos”: Ó Zé Neto está em casa? Resposta pronta: sim estou. Então pegue num lápis e numa folha e escreva!...

 

Também a honra que me atribuíram para apresentar durante um determinado tempo o meu testemunho em referência ao PROFESSOR na sala do senado da Assembleia de República (2017), quando o governo lhe prestou uma justa homenagem.

 

Ainda recordo as lágrimas que lhe gotejaram na face envoltas dum largo sorriso de felicidade, quando terminei as provas do meu doutoramento “Desporto à luz das Ciências Humanas no Reencontro com a Vida”. Jamais poderei renegar a minha eterna gratidão pela incondicional orientação e superlativo apoio que tanto me dedicou.

 

Confesso que fiquei em estado de inquietude penetrante, quando a semana passada, tive a oportunidade de fazer a última chamada por telefone, solicitando o favor de me prefaciar a próxima e provavelmente a última obra que irei publicar. Respondeu-me a custo e baixa voz entremeada por silêncio perturbador, referido que estava a ficar muito, mas mesmo muito cansado … que não levasse a mal, muitos foram os prefácios de outras minhas publicações, que tentasse reorganizar o pensamento esbatido na beleza da sua sincera integridade!... e não continuamos o diálogo, mas não deixando de ainda me confiar o desejo dos cumprimentos e beijinhos para a minha mulher, filhos e as criancinhas (netinhos) … não me enganei são dois??? …

 

Meu amado PROFESSOR quando tive a oportunidade de o conhecer, desapertei as minhas sandálias e lancei-me à estrada da vida. Escutei o eco do meu silêncio e fui construindo imagens que jamais deixarei de evocar, enquanto durar em mim a doce fulguração da memória.

 

Termino referindo o que tantas vezes me foi confidenciando, citando Hegel: “A ave de Minerva (ave da sabedoria), geralmente levanta voo ao entardecer”.

 

Coloco os meus olhos no infinito e como é linda a ternura do seu voar, desde o toque das trindades, anunciando o descanso, para depois um novo dia voltar a nascer …  agora, movido de tantas saudades, jamais deixarei de seguir o seu voar … com meu amado PROFESSOR, sempre juntinho ao meu coração!...

 

 

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