06/01/2022, 0:00 h
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A palavra resiliência entrou no dicionário mediático das palavras permitidas ou "normalizadas", das que não arranham ou agridem ouvidos sensíveis. A palavra resiliência aproxima-nos mais da palavra submissão ou destino ou fado. Falássemos mais de resistência (essa sim, perigosa!) e de resistentes e soariam cedo as campainhas de alarme no chão do conformismo. Com o pretexto na pandemia, também a palavra resiliência tornou-se de utilização … viral. E como viral a latência para a doença não é grave.
Há outras palavras igualmente “padronizadas” e assimiladas que respondem a necessidade de criar um tempo idílico de bondade e de harmonia. A palavra colaborador, genericamente utilizada no universo das ciências sociais e do trabalho, veio substituir a mais prosaica palavra funcionário ou a tradicional palavra trabalhador. Professor universitário, que seja professor com ambição, de tendência para “externalizar” a sabedoria a patrão que seja ou pareça empregador, utiliza-a frequentemente. Na palavra colaborador está contida a mensagem da participação no interesse comum, da partilha de responsabilidade, mas não, claro, dos rendimentos.
Uma palavra (aliás, dupla palavra) igualmente “adulterada” é comunidade internacional. Empregue usualmente por letrados especialistas, ela quer dizer de facto: países com influência internacional e com poder de tomar decisões globais. Não se vá pensar que Timor, ou a Mauritânia, ou a Suíça é comunidade internacional! Não. Comunidade internacional é uma palavra que traduz um estatuto alinhadinho pelos interesses de grandes poderes, nomeadamente dos chamados G7, que como se sabe é G1+6. Um exemplo: o bloqueio a Cuba é todos os anos aprovado pela “nova” comunidade internacional dos EUA, de Israel, da Ucrânia e das Ilhas Palau.
Uma outra dupla-palavra com recente nuance é liberdade de expressão. Quando pensavam alguns ingénuos que era a propagação de informação verdadeira e de interesse público, eis que nos explicam que isso é crime, terrorismo informativo, quando é inconveniente. Veja-se o caso do Assanje.
Por liberdade de expressão é preso, e extraditado. Liberdade de expressão é relativo aos uigures chineses a pôr bombas na Síria.
A supressão de vocábulos é todavia mais penosa. A palavra humanismo desapareceu da grande informação europeia. Pas de humanisme, dizem os franceses. No humanism, dizem os ingleses. Por indicação de Macron e Johnson, em Calais, nas margens do canal da Mancha, há órfãos do humanismo civilizacional europeu que são tardiamente informados à chuva e ao frio da desaparição vocabular. Tal como no Mediterrâneo, por onde se afundam a esperança e os direitos humanos essenciais, em vagas sucessivas.
Uma outra palavra que derivou na sua designação semântica foi a palavra Muro. Antigamente significava separação, exclusão, egoísmo, autoritarismo. Atualmente tendo em conta os milhares de quilómetros construídos e em construção, significa soberania, segurança, liberdade interna.
A mais recente palavra a exigir estudo mais aprofundado é igualmente de dupla e criativa composição: centro pragmático. Confesso que não sendo marinheiro ou apreciador de atividades náuticas nunca me tinha apercebido de uma orientação espacial tão original. O centro pragmático. Não sei se é cálculo de sextante ou de navegação à Costa. Mas que já anda muita gente a procurar as virtualidades do centro pragmático, la isso andam.
Cristiano Ribeiro, Dirigente do PCP
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