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Gazeta Paços de Ferreira

23/12/2022, 0:00 h

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EDITORIAL Para que serve o Natal?

Destaque Editorial

Há que reconhecer que este período natalício, de abertura do coração aos outros, começou muito bem e vem prosseguindo num crescendo de mobilização de consciências e vontades.

 

Estamos em pleno período de Natal, com festas, jantaradas, cânticos e hossanas, prendas e prendinhas, carradas de boas intenções e votos - muitos votos - de Paz, Amor e Felicidades.

Tudo isto é muito lindo, enternece e aquece os corações.

No entanto, daqui a dias, quando se desfizerem os presépios, as luzes se apagarem e as digestões estiverem devidamente regularizadas, pouco - ou mesmo nada – restará.

Há que reconhecer que este período natalício, de abertura do coração aos outros, começou muito bem e vem prosseguindo num crescendo de mobilização de consciências e vontades.

Apraz-nos registar o carinho das grandes superfícies de distribuição alimentar, para com os desvalidos da fortuna, que, apesar de durante todo o ano se verem forçadas, pelas leis sagradas da concorrência, a esmifrar os consumidores, acumulando pornográficos lucros, se deixaram captar pelo espírito natalício e vêm promovendo, com a prestimosa colaboração dos seus clientes, campanhas de distribuição de fundos pelos necessitados.

Também as instituições de solidariedade social intensificam as suas actividades benemerentes, na sua função de suprimento das debilidades estruturais de um Estado Social, cada vez mais “esquecido” pela política dos interesses, dominante no “centrão político”, que nos vem (des)governando, desde há dezenas de anos.

Aqui e ali têm-se vistos empresas, a promoverem-se, gratuitamente(?), na comunicação social, a anunciar a concessão de bónus de final de ano aos seus trabalhadores (normalmente apelidados de colaboradores), ao mesmo tempo que atenuam a sua má consciência da farta exploração durante a restante parte do ano.

As autarquias também assumem , naturalmente, o seu papel benfazejo, e é um encanto ver o corrupio dos seus funcionários, neste período, a calcorrearem veredas e a baterem à porta dos carenciados, levando-lhes a boa nova do cabaz natalício.

Finalmente, o nosso querido Governo, assumiu também ele, do alto da sua colina majestática, a condição caridosa, lançando às mão estendidas dos desgraçados da fortuna umas migalhas que sobram das contas certas, amealhadas na laboriosa função de aproveitamento das virtualidades da inflação, que, apesar de ser uma coisa péssima para os cidadãos, é, pelo contrário, um maná para os cofres do Estado.

(Enfim. É preciso que alguma coisa mexa, para que tudo fique na mesma. Ou pior)

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Natal de 1971

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?...
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

Jorge de Sena

.

Dia de Natal


Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes, a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha~se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor! - o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda~o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.



 

António Gedeão, in Máquina de Fogo, 1961

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