Por
Gazeta Paços de Ferreira

04/09/2022, 0:00 h

385

Aborto nos EUA: as consequências do “overruling” da decisão “Roe contra Wade

Opinião

Esta questão, sempre controversa, faz surgir diversos argumentos, apontados num e noutro sentido

Recentemente, a temática do aborto foi trazida de novo à nossa atenção depois do Supremo Tribunal dos EUA ter, no dia 24/06, derrubado a decisão conhecida como “Roe contra Wade”, de 1973, que garantia nacionalmente o direito ao aborto.

Uma pergunta pode aqui ser feita: mas porque é que uma simples decisão do Tribunal gerou tanta polémica?

A verdade é que a decisão em causa devolveu aos Estados federados o poder de definir se permitem este tipo de procedimento ou não.

Para compreender esta realidade, que nos parece tão longínqua, é necessário ter em conta que isto é possível no caso norte-americano, uma vez que neste ordenamento jurídico, diferentemente do que acontece em Portugal, a primazia não é atribuída à lei, mas sim à jurisprudência, decisiva para a compreensão e aplicação da lei, permitindo, nomeadamente, que a Constituição (que data de 1787) se mantenha atual pela sua adaptação constante.

No âmbito da jurisprudência, funciona a regra do precedente, ou seja, os tribunais julgam um litígio atual com base num litígio anterior, sendo apenas vinculativos os precedentes dos tribunais superiores, que podem, no entanto, revogá-los (“overruling”), como aconteceu neste caso.

Quanto à autonomia atribuída aos Estados, na sequência desta decisão, esta pode explicar-se pelo facto de existir nos EUA um sistema federalista, que lhes atribui competência para legislar em determinadas matérias, sendo esta uma delas.

Isto causa especial alarme quando percebemos que quase metade dos Estados do país são conservadores e agora poderão decidir, separadamente, pela manutenção ou não desse direito.

Em Portugal, a interrupção voluntária da gravidez foi legalizada por referendo realizado em 2007 e é permitida até à décima semana de gravidez, se assim quiser a mulher, independentemente dos motivos, sendo também permitida, para além das 10 semanas, se cumpridos determinados requisitos.

 Esta questão, sempre controversa, faz surgir diversos argumentos, apontados num e noutro sentido, nomeadamente: por um lado, temos os que argumentam que o aborto deve ser permitido, porque só assim se poderá pôr fim ao aborto clandestino; por outro lado, temos os que argumentam que se trata de uma questão de proteção da vida humana desde a conceção. Apesar de todos os argumentos, quer os a favor, quer os contras, serem perfeitamente válidos, é importante refletir sobre se serão maiores as vantagens do que as desvantagens da legalização do aborto.

 

ASSINE GAZETA DE PAÇOS DE FERREIRA

Repare-se: do ponto de vista do concepturo, o direito ao aborto está muito para além do direito à vida, relacionando-se com uma ideia central- a dignidade humana. Qual é o sentido de proibir uma mãe de abortar voluntariamente se esta considera não ter capacidades emocionais ou financeiras para tal? Qual é o sentido de trazer uma nova vida ao mundo sem futuro algum? É completamente possível ocorrer a rejeição de filho advindo de uma gravidez indesejada pelos pais, podendo resultar em situações de maus-tratos ou abandono, sujeitando a criança a traumas psíquicos.

Por outro lado, é preciso ter consciência de que a proibição do aborto nos EUA não vai eliminar a prática, simplesmente vai fazer com que o aborto clandestino se torne cada vez mais comum, sendo esta a principal preocupação dos manifestantes. Para além disso, em casos de proibição total, podem surgir situações em que as mulheres sejam obrigadas a ter bebés resultantes de abusos sexuais, ou crianças com graves deficiências mentais ou físicas.

 É extremamente importante salvaguardar também os direitos da mãe, como o direito à liberdade, associado à sua autonomia e autodeterminação, assim como o seu direito à reserva da vida privada, que permite evitar ingerências por parte do Estado ou terceiros que afetem a sua esfera de escolha.

 Sem dúvida que o argumento da proteção da vida do feto é um argumento muito forte, no entanto, não existe ainda consenso acerca do momento em que essa vida existe e, tendo em conta todos os argumentos, é importante que tenhamos consciência de todas as consequências associadas à proibição desta prática.

 Diana Alves, Militante da Juventude Socialista de Paços de Ferreira.

Opinião

Opinião

Cascas de banana…

17/08/2025

Opinião

De tostão em tostão… se alcança o milhão ou a dimensão colectiva dos direitos do consumidor

13/08/2025

Opinião

A Bolsa de Valores

11/08/2025

Opinião

Gastroparésia: Quando o estômago perde o ritmo

10/08/2025