29/11/2020, 18:39 h
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Em 2010, um homem de Otsuchi no Japão chamado Itaru Sasaki construiu uma cabine telefónica no seu jardim no alto duma colina. O telefone desta cabine não está ligado a nada…
O senhor Sasaki, homem simples, construiu-a com um único propósito: falar com a sua prima que morrera nesse ano! Apelidou a sua cabine telefónica de kaze no denwa (telefone do vento), porque, como não está ligada a nada, é o vento que sopra forte naquela colina, que leva as palavras até ao seu destinatário.
Um ano depois, a 11 de março de 2011, o Japão foi assolado por um terramoto e um tsunami, que provocou quase 20.000 mortos, e deixou cerca de 2.500 pessoas desaparecidas até hoje.
Facilmente se aviva a memória esta catástrofe se recordarmos o acidente da central nuclear de Fukushima.
Neste tsunami a cidade costeira de Otsuchi foi adentrada por ondas de quase 10 metros de altura, que dizimaram cerca de 10% da população.
Itaru Sasaki, olhando a devastação material e emocional que atingira a sua povoação, decidiu abrir a cabine do seu jardim ao público, para que todos aqueles que não se despediram e que necessitassem de falar com os seus entes mais queridos, o pudessem realizar na sua cabine, que ficou intacta no alto daquela colina com vista para mar.
Passados três anos, dez mil pessoas já teriam aberto a porta daquela singular cabine, e ,uns com muita coragem e outros mais nervosos, pegaram naquele telefone e iniciaram uma conversa libertadora com quem fisicamente perderam a sua ligação terrena.
O telefone permanece desconectado, mas quem sobe a colina ao encontro da cabine, desce de lá com o sentimento que, do outro lado do telefone, foram escutadas.
Ao contrário do violento e repentino tsunami de 2011 em Otsuchi, o nosso concelho vive um lento e cruel tsunami.
As pessoas por cá vão desaparecendo uma a uma, e já não deve restar quem possa dizer que não perdeu um familiar, um amigo ou um vizinho para esta segunda onda do coronavírus.
A dor da perda dos nossos entes queridos é acompanhada pela fria e vazia partida obrigada pela força das leis sanitárias.
É neste momento que penso, o quanto útil seria a cabine telefónica do senhor Sasaki, permitindo a cada um de nós enviarmos as palavras não enlutadas, pelo vento que sofra ,como um carteiro apressado, rumo ao destino de quem as anseia receber, escutando-nos do outro lado dum telefone antigo sem ligação.
Por cá não temos um telefone do vento, ou, pelo menos, ainda não temos, mas se quiserem um dia visitar esta cabine de que vos escrevo, procurem-no nesta morada:
Otsuchi, 028-1101 Japão
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