18/02/2021, 1:36 h
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Os latinos são, frequentemente, pensados e adjetivados como povos de afetos, de laços e de vínculos, à mistura com grande carga emocional e afetiva e até, talvez por isso mesmo, com grande vulnerabilidade face ao contágio por uma pandemia que tem nos contactos físicos e na proximidade entre pessoas o seu principal foco de transmissão. Esta forma de ser e estar foi, assim, drasticamente abalada com a crise pandémica COVID19.
Os laços sociais dependem de ser alimentados através das conversas rotineiras, através do sermos capazes de ouvir os outros e com eles empatizar e desta forma os conseguirmos compreender, de sentirmos as suas alegrias e as suas dores.
É, pois, nos locais de trabalho, na escola, nos espaços de convívio familiar, nos estádios de futebol, no café, na associação, na loja do bairro, no parque da cidade, que afirmamos estes sentimentos e fazemo-lo através dos afetos, através da comunicação verbal e não verbal.
A construção dos laços e o desenvolvimento dos vínculos depende, em grande medida, dos afetos e da sua demonstração que nós, portugueses, realizamos com abraços, beijos, cumprimentos, com exibição de reforços e apoio em momentos de sofrimento ou de alegria.
Isto é, não há existência humana, não há vida sem afetos e, sobretudo, a vida nas realidades culturais de países como o nosso, é uma vida empobrecida, quase insuportável, sem a possibilidade de nos expressarmos através do toque e da expressão facial.
Há dias, dizia-me uma amiga minha, a qual vive na Suíça, que o confinamento não lhe trouxe especiais limitações, face aquilo que é o seu “normal” dia-a-dia, pois, sente-se confinada o ano inteiro e desde que aí vive.
Naquele país, por não haver esta marca sociocultural em que os afetos e o constante necessidade do “toque humano” é parte integrante da realidade, os tempos de pandemia são vividos de forma bem menos penosa do que em Portugal, tal como os dias, sem pandemia, são perpassados por bem menos riqueza afetiva que aquela que caracteriza o nosso país.
Assim, a questão que se coloca é se e quando voltaremos a ter espaço e disponibilidade para regressarmos ao passado e aos hábitos anteriores.
Depois de termos sido sujeitos a um quadro traumático, penoso e de grande stress, em que o contacto físico foi, obrigatoriamente e naturalmente, diabolizado e reprimido, seguir-se-á um processo de necessária dessensibilização que irá demorar muito tempo.
Todos nós vamos precisar de nos irmos expondo progressivamente ao toque, ao beijo, ao abraço até conseguirmos, como um todo, voltar a naturalizar esses comportamentos.
A ansiedade dessa retoma vai-nos acompanhar por muito tempo e implicará um caminho progressivo de retorno à normalidade, na certeza de que, alguns de nós, nunca mais serão, exatamente, os mesmos, e para esses, o medo da troca de afetos, pelo menos com estranhos, prolongar-se-á no tempo.
Mais importante que tudo é, mantendo as cautelas necessárias, mantendo-nos vigilantes e cuidadores dos nossos e da comunidade como um todo, que não sucumbamos ao medo de nos voltarmos a sentir porque sem esse preceito não há vida, não haverá, pelo menos, vida como até agora a conhecíamos.
Marcos Taipa Ribeiro
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