Por
Gazeta Paços de Ferreira

12/12/2020, 0:37 h

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Ainda a respeito do artigo de Henrique Raposo ou a desconstrução da ignorância/provocação intelectualizada

Marcos Taipa

Henrique Raposo, um conhecido e polémico colunista do jornal Expresso, brindou-nos com mais um dos seus artigos em que ficamos sem saber se este é um exercício de pura arrogância intelectual, se é uma tentativa de ser gratuitamente provocatório, alimentando uma imagem de provocador politicamente incorreto ou se se trata mesmo de ignorância inaudita.

Henrique Raposo faz uma arriscada incursão por campos que misturam a sociologia, as teorias culturalistas da pobreza, com origem na sociologia e ainda a genética, a psiquiatria e a psicologia ao nível da psicopatologia. O exercício é desastroso, pois mistura tudo, confunde tudo e tudo aborda, erroneamente, pela rama. O autor equipara a pobreza e a vivência nesta

prolongada no tempo a uma espécie de psicopatologia, enquadrando os pobres mergulhados nesta condição numa classificação nosológica que nunca vi escrita e inscrita em qualquer manual técnico. Esta tentativa de psicopatologização da pobreza ou de tudo o que foge à norma não é novidade nenhuma, e representa uma recuperação da herança Lombrosiana oitocentista, mas com adornos novecentistas. Talvez até, num próximo artigo venha o autor propor a lobotimização, em massa, da população pobre.

O autor confunde a necessidade de atualmente se abordar os fenómenos sociais, como a pobreza e outros, também, numa dimensão epigenética (não genética como no passado) com determinismo biológico. Isto é, hoje sabemos que se o ser humano vivenciar recorrentemente experiências negativas, ou positivas, tem a capacidade de modificar o seu código genético criando, inscrevendo neste determinadas características de personalidade que passam a ser naturais e inatas naquela pessoa. Tal como a predisposição para se ter diabetes ou ser mais ou menos impulsivo, por exemplo. Logo, uma condição social, desde que se manifeste ao longo de muitos anos e por várias gerações, pode originar uma alteração genética no ser humano. O que é que isso tem a ver com doença mental? Mais, mesmo que tal se suceda, o código genético só é responsável, em média, por cerca de 20% das condutas comportamentais de cada um de nós, o restante é influenciado pelas condições de vida das pessoas, pelo sistema de oportunidades e pelas decisões pessoais. O raciocínio de Henrique Raposo é tão despropositado e incorreto que se fosse verdadeiro quereria dizer que uma pessoa cuja as suas gerações anteriores tivessem sido pobres e ela também o tivesse sido ao longo da maior parte da sua vida, dificilmente conseguiria enriquecer, pois, estava determinado genéticamente que assim não conseguisse. O concelho de Paços de Ferreira, e ainda bem, é o exemplo paradigmático de que tal não faz qualquer sentido.

Por fim, sim; as teorias culturalistas são um campo teórico muito rico da sociologia e que defendem que existe uma cultura da pobreza, com regras e formas de estar próprias em que os pobres perante um futuro que nada de bom augura tendem a centrar-se no presente e no aqui e agora, valorizando a ostentação material e não se projetando no futuro. Mas isto não é um comportamento racional, mesmo que disfuncional? Todos nós quando mais ganhamos mais projetamos o nosso futuro, mais poupamos, mais programamos investimentos, quando tal não acontece tendemos a viver o dia-a-dia e a gerir o quotidiano. Em que é que isto é irracional ou patológico?

Se Henrique Raposo quer lançar um anátema sobre os pobres, talvez deva ser lembrado de que a mobilidade social pode ser ascendente como descendente e que ele, como todos nós, a

ela estamos sujeitos. Se, por outro lado, pretendeu fazer um exercício de pura provocação para se manter na berlinda, então “porreiro, pá”, que continue a olhar pela vidinha.

Marcos Taipa Ribeiro

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