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Gazeta Paços de Ferreira

03/09/2024, 0:00 h

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FACTURAR À EXAUSTÃO…

Mário Frota Opinião Direito Consumo

COM O SUPLEMENTO DA ‘GRATIFICAÇÃO’

O pretender fazer-se acrescer agora (e de novo), na factura, uma percentagem do preço, a título de retribuição do serviço, briga com o que a lei estabelece de forma meridiana: “preço é o preço total em que se incluem todos os impostos, taxas e outros encargos que nele se repercutam”.

Por Mário Frota (Presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito do Consumo - APDC)

DIREITO DO CONSUMO

 

 

Um amigo fez-nos chegar uma factura de um restaurante na berra (o jncquoi…) que, no final, dá uma sugestão de “gratificação” à razão de 10% e, na linha terminal, em dígitos garrafais, apresenta o cômputo já com um tal valor adicionado…

 

 

Já o escrevemos:

 

 

“Tempo houve em que as gorjetas representavam 10% do consumo e figuravam como parte suplementar da factura, com carácter de obrigatoriedade: e o sistema admitia-o.

 

 

Muitos estabelecimentos serviam-se de tais montantes para compor a folha salarial dos trabalhadores, com uma base mínima e o mais em resultado da taxa de serviço repartida equitativamente pelos seus servidores. Noutros, os ‘trabalhadores’ percebiam só e tão só o valor das gorjetas…”

 

 

Em ano recuado, alterou-se o sistema: os preços deveriam ser globais, neles se incluindo a gratificação reservada aos trabalhadores, a denominada “taxa de serviço”, instaurando-se o regime “ttc: toutes taxes comprises” (“todas as taxas incluídas”).

 

 

Ainda assim, subsistiu o hábito, por parte de alguns, de oferecer um montante à parte aos trabalhadores (a título individual ou como contributo para um ‘monte comum’ que seria dividido pelos beneficiários). De forma inteiramente voluntária.

 

 

De modo que - seguindo-se uma tal “praxis” - as refeições encareceram, porque no preço se incluiria já o serviço, o valor da gratificação, fixado, em regra, em 10%.

 

 

Havia quem entendesse que a gorjeta, como ‘esmola’, feria a dignidade do trabalhador (Cfr. o nosso “Contrato de Trabalho I”, Coimbra Editora. 1978).

 

 

O pretender fazer-se acrescer agora (e de novo), na factura, uma percentagem do preço, a título de retribuição do serviço, briga com o que a lei estabelece de forma meridiana: “preço é o preço total em que se incluem todos os impostos, taxas e outros encargos que nele se repercutam”.

 

 

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O ‘desmantelamento’ do regime dos preços na restauração, a que ora se assiste, sem reacção de quem quer, numa indisciplina indescritível, a ninguém serve, com efeito: nem aos consumidores (cada vez mais escaldados…)  nem aos titulares dos estabelecimentos nem aos trabalhadores, ainda que precários.

 

 

O Guia da Restauração, em co-autoria DGC/AHRESP, com a chancela da Administração Pública, em que surgem, é facto, algumas ‘galegadas’, diz a tal propósito, a pp. 16, que para além de não recomendável, é de uma prática, por assim dizer, ilícita.

 

 

E, com efeito, trata-se de uma prática enganosa, dados os termos como se articula no caso presente e noutros similares:

 

 

“São consideradas enganosas, em qualquer circunstância, … transmitir [a] impressão [de que essa prática é lícita] quando tal não corresponda à verdade" [DL 57/2008: al. k) do art.º 8.º).

 

 

E o ilícito constitui contra-ordenação económica grave: tratando-se de pequena empresa - de 10 a 49 trabalhadores -,  o montante da coima oscila entre os 4 000 e os 8 000 €.

 

 

Para além do mais, constitui ainda, em nosso entender, crime de especulação, a cobrança de um qualquer montante, a bel talante dos titulares dos estabelecimentos, para além do preço em si mesmo apurado, seja a que título for, mormente de “taxa de serviço”: a moldura penal para a especulação oscila entre os 6 meses e os 3 anos e multa não inferior a 100 dias (sendo que, no limite, a pena de multa pode atingir os € 500/dia [DL 28/84: proémio do art.º 35].

 

 

A reclamação deve ser deduzida no Livro respectivo, tanto no formato papel como no electrónico.

 

 

Dos factos ocupar-se-á a ASAE como órgão de polícia criminal, desde que a participação chegue à sua esfera de conhecimento.

 

 

Que os leitores fiquem cientes dos seus direitos e se recusem a embarcar nestes artifícios, sugestões e embustes.

 

 

E que as autoridades ajam sempre que as circunstâncias o determinem, como no caso.

 

 

 

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