ENCOMENDAS TROCADAS

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CULTURA

Encomendei boa vontade aos donos do mundo, paz entre os povos, cooperação em vez de ganância, mas enviaram-me um enorme embrulho com desafios bélicos, com perigos constantes, ameaças de destruição do planeta se não conseguissem dominar todas as nações; e, logo no primeiro parágrafo da carta que acompanhava a entrega, preveniram-me que não aceitam devoluções.

Por Joaquim António Leal

CULTURA

 

 

Entrei em lojas físicas à procura da felicidade, mas só encontrei objetos, coisas que custavam dinheiro, mas não acrescentavam qualquer valor à humana existência. Frequentei cafés, casas de espetáculos, exposições de arte antiga e moderna, e senti-me vazio. Orei no interior de mesquitas, sinagogas e igrejas na busca incessante da espiritualidade, mas foi a materialidade que se me impôs. E nos locais de reunião dos governantes, em vez de preocupações com o pão para alimentar o povo, só vi interesses pessoais, procura de riqueza para os próprios e amigos, ainda que isso custasse guerras, sofrimento, morte.

 

 

Então, percebendo a necessidade de arredar caminho, fiz-me vendedor de impossíveis, e passei a agir como os restantes mortais.

 

 

Encomendei uma tarde de sol ameno, que me afagasse a pele e me solicitasse um arregaçar de mangas, um desejo de liberdade, mas mandaram-me uma canícula que me fez camarão, um branquela na praia sem protetor solar.

 

 

Encomendei uma noite de brisas mornas, um ar aprazível para o corpo inteiro que me convidasse a sair e a apreciar as estrelas, para inventar poemas ao luar de junho, mas soltou-se um vendaval, as portas cerraram-se apavoradas da hipótese de se escancarem sem controlo.

 

 

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Encomendei dois risonhos, pássaros para gorjearem no cimo das árvores que preenchem o meu quintal, pessoas para entoarem canções a caminho dos empregos, como se fossem para uma festa, mas o azul celeste ocultou-se por detrás das nuvens, um trovão afugentou os pássaros do meu pedaço de natureza e as pessoas recusaram os cantos, como se o local para onde se dirigiam as entristecesse.

 

 

Encomendei sonhos e mandaram-me roupas de marcas caras, calçado que me leva os pés aonde desejo quase sem os sentir a tocarem no chão, mas os sonhos, esses continuam à espera de se realizarem.

 

 

Encomendei boa vontade aos donos do mundo, paz entre os povos, cooperação em vez de ganância, mas enviaram-me um enorme embrulho com desafios bélicos, com perigos constantes, ameaças de destruição do planeta se não conseguissem dominar todas as nações; e, logo no primeiro parágrafo da carta que acompanhava a entrega, preveniram-me que não aceitam devoluções.

 

 

Não sei o que diga, mas ou andam as encomendas trocadas, ou as relações entre os povos estão muito mal.

 

 

 

 

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