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Gazeta Paços de Ferreira

09/06/2024, 0:00 h

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CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

Mário Frota Opinião Direito Consumo

DIREITO DO CONSUMO

Ainda as ‘entradas’ feitas de pequenos nadas…
de gralhas e putativas interpretações falhas!

(edição de 31 de Maio de 2024)

Por Mário Frota (Presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito do Consumo - APDC)

DIREITO DO CONSUMO

 

 

“Afinal, do Guia de Boas Práticas da Restauração, elaborado pela associação do sector (AHRESP) e a Direcção-Geral do Consumidor, ao tempo dependente do Ministério da Economia e do Mar, também vogam na interpretação de que, ainda que não peçam as entradas, se as consumirem ou inutilizarem, os comensais terão de as pagar.

 

 

Quer comentar?”

 

 

Apreciada a questão, eis o que se nos oferece dizer:

 

 

1. Essencial é saber qual o valor do silêncio numa qualquer relação jurídica de consumo: quem cala consente? Quem cala parece consentir? Quem cala não consente?

 

 

2. A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor prescreve no n.º 4 do seu artigo 9.º:

 

 

“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração.”

 

 

 

 

3. A Lei dos Contratos à Distância e de Outras Práticas Negociais estabelece imperativamente no seu artigo 28:

 

 

“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens…  ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…”

 

 

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor [o silêncio] na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.”

 

 

4. A Lei das Práticas Negociais Desleais, na alínea f) do seu artigo12, reza o seguinte:

 

 

“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais: … exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado…”

 

 

 

 

5. O Regime Jurídico do Exercício e Actividade do Comércio, Serviço e Restauração diz inequivocamente, na esteira do princípio que perpassa pelo ordenamento jurídico de consumidores, no n.º 3 do seu artigo 135:

 

 

“Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o ‘couvert’, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.”

 

 

 

6. Ora, o facto de se servir as entradas sem a aquiescência do consumidor (a resposta afirmativa a um simples: é servido de pão, de azeitonas, de paté de atum, de bolinhos de bacalhau, de croquetes, de chamuças, do que quer que seja, das entradas, em suma?) constitui como que algo de forçado e tem de seguir a filosofia da lei: não pediu, não pagou, ainda que consuma, ainda que inutilize, provando um pedacinho; e não paga como “sanção” pelo abuso do titular do estabelecimento ou seus prepostos, para além se se tratar de um ilícito contra-ordenacional sujeito a coima.

 

 

7. Por conseguinte, a interpretação enviesada que no Guia se reflecte fere a letra e o espírito da lei e a sistemática do direito do consumo. E não se percebe como é que a DGC embarcou nessa “interpretação peregrina” que vem da comprometida “Deco-Proteste, Limitada”, sucursal da multinacional belga Euroconsumers, S.A.  que, como empresa, que não como associação cuja condição usurpa, serve os interesses de quem lhe paga.

 

 

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8. De uma vez por todas deveria haver aqui um ponto de ordem: “não solicitou, mas comeu, inutilizou, não pagou”. É elementar e, ademais, é legal! Como forma de “punir” os abusos que por aí campeiam!

 

 

9. Não nos venham com lérias! Como diz a multinacional numa tirada singular, mas ultra reverberável: “quem cala consente, quem trinca consente mais”! Nem consente nem é de boa gente deixa passar esse entendimento indecente, sumamente deprimente!

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

 

a.    O entendimento “sufragado” pela AHRESP e a DGC de que “ainda que não peçam as entradas, se as consumirem ou inutilizarem, os comensais terão de as pagar” não adere nem à letra nem ao espírito da lei, nem sequer ao seu elemento histórico e sistemático: e está nos antípodas do que ali se prescreve!

 

 

b.    Para o ordenamento jurídico dos consumidores, ao contrário do que possa ocorrer no dos mercadores, “quem cala não consente” (cfr. n.ºs de 2 a 4).

 

 

c. “Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o ‘couvert’, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou (se) por este for inutilizado.” (DL 10/2015: n.º 3 do art.º 135)

 

 

Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

 

 

 

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