20/05/2023, 0:00 h
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Talvez movido pela proximidade da coroação do rei de Inglaterra, o presidente sentiu-se, ele também, um pequeno monarca neste secular reino do extremo ocidental da Lusitânia. Afinal, para além da coroa, já nada lhe faltava, uma vez que conseguira reunir em si dois dos mais sagrados poderes da nação: o legislativo e o executivo. Ao poder legislativo impôs-se obrigando a casa da democracia a reformular várias leis, descaracterizando-as, adaptando-as ao seu gosto pessoal, à sua vontade. O poder executivo chamou-o a si também, dando sucessivamente instruções ao responsável do governo sobre como devia governar, limitando os seus campos de ação, impondo-lhe rumos. No fundo, um rei a exercer os seus poderes em regime absolutista.
Todavia, tal como foi acontecendo ao longo da História da Humanidade, há sempre um momento em que alguém se opõe à sacrossanta realeza, e diz basta. Neste caso, foi o chefe da equipa governativa que se cansou de executar o que o outro ordenava e disse: “a competência para governar e escolher os membros da minha equipa não é do senhor, mas minha”. E a bomba estourou. Não que tenha havido quaisquer atentados, como os de 1908 e 1910, com a família real a ser morta ou a fugir, mas porque o nosso quase autoproclamado monarca se viu desfeiteado na imagem que de si construíra. E que esperaria ele após exigir tão prolongada vassalagem? Uma curvatura espinal por parte de toda a gente? Enganou-se. O nosso Primeiro foi ficando mais velho e as suas costas já não lhe permitiam certos exageros, como dobrá-las amiúde, pelo que o mandou (sem o mandar) àquela parte.
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Realeza? As famílias reais, pretensamente eleitas por Deus (era o que propalavam), impuseram-se durante séculos através da devoção dos seus vassalos e da penúria em que os mantinham. Nesses tempos, a coroação, seguida da distribuição dos requintados restos dos nobres banquetes, permitia aos desgraçados descolar a barriga das costas durante umas horas. Mudaram-se os tempos, porém em Inglaterra mantém-se o circo, já não pelo bodo aos pobres, mas pela beleza do espetáculo, pelo seu colorido, pelo acalentar de sonhos de gatas borralheiras que nunca chegarão a princesas.
O chefe da nação lá esteve. Viu passar os coches engalanados, os capacetes emplumados dos guardas reais, e sonhou. Mas a sua coroação, a existir, ainda vai ter muito que esperar. Viva a república!
Joaquim António Leal
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