19/08/2020, 19:21 h
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Num mundo virado do avesso, que ganha a cada dia os ingredientes certos para um caldo frio semelhante ao do início do último século, resta-me continuar a recontar histórias, que provam que, por detrás de qualquer nuvem negra, existe sempre um sol a brilhar!
Desta vez, viajo até à Austrália, onde um simples homem, nascido a 27 de dezembro de 1936, com um gesto de altruísmo puro, repetido 1173 vezes ao longo de 63 anos, salvou mais de 2 milhões de crianças!
A história heroica de James Harrison iniciou quando, com apenas 14 anos, foi operado e necessitou duma transfusão de sangue, que lhe salvou a vida.
Após esse dia, James prometeu que, quando tivesse mais de 18 anos, passaria a ser um doador de sangue. Atingindo a maioridade, James cumpriu a promessa e passou a doar regularmente sangue.
Mas o que James não sabia era que o sangue era extremamente raro e valioso. A doença de Rhesus, ou eritroblastose fetal, é uma doença que surge quando uma mãe, com um sangue do tipo Rh-, gera uma criança com sangue Rh+, após ter tido uma outra criança Rh+ ou caso tenha recebido sangue Rh+ anteriormente. O corpo duma mãe Rh- após o primeiro contacto com o sangue Rh+ gera um anticorpo chamado imunoglobina Rh (Anti-D) que, na segunda gravidez, será letal para o bebé.
Contudo, nos anos 50 do século passado, os cientistas descobriram que o anticorpo Anti-D era também a cura para esta doença.
E acontece que James Harrison tinha uma quantidade deste anticorpo muito elevada e rara, condição única para que o seu plasma sanguíneo fosse utilizado como a cura de milhões de bebés!
James doou o sangue até ao último dia possível, ou seja até aos 81 anos, porque a lei australiana proíbe a doação de sangue a partir dessa idade.
Num país em que a taxa de mulheres com probabilidade de enfrentar esta doença nos seus fetos é de 17%, o altruísmo deste homem, que, para além das doações de sangue sucessivas, se obrigou a manter um estilo de vida que permitisse que ele estivesse sempre na condição de doação de sangue, faz-nos sorrir e pensar que, neste mundo em que vivemos, ainda existe muita gente que justifica a nossa classificação de seres humanos.
Termino hoje referindo-me a um doador de sangue especial chamado José Neto.
O sangue, que ele doou, certamente, ajudou muitos, mas não salvou milhões, nem tinha um anticorpo especial no sangue, mas soube manter sempre o seu sorriso aconchegador, alegrando e animando todos aqueles que com ele conviviam.
Também sempre se preocupou com a sua saúde, e para isso o atletismo foi sempre uma vontade e um gosto que me soube transmitir.
Lembro-me de, nos anos 90, ver este homem chegando a casa, mesmo cansado do trabalho duro que tinha, a primeira coisa que fazia era equipar-se e levar-me a mim e aos meus dois irmãos para correr nos trilhos dos montes de Freamunde de Cima e Sousela (curiosamente hoje percorridos no Trail Foge Foge Capão).
Sem sabermos estávamos a praticar o desporto que hoje tantos entusiasma, e por isso, em tom de brincadeira, digo que ele foi o inventor do trail-running.
A ti, que sempre que me correrás no sangue, o meu eterno agradecimento por teres ocupado a casa de livros, de teimares em colocar Zeca Afonso a tocar a toda a hora, de nos pores a correr naqueles finais de dia, e por seres e nos ensinares a ser altruístas!
Dedicado ao meu Pai!
Ricardo Jorge Neto
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