26/10/2025, 11:49 h
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Opinião Política António Colaço
OPINIÃO
Em 17.10.2025 a Assembleia de República (A.R.) aprovou na generalidade (votos pró – PSD/CHEGA/IL/CDS e votos contra – PS/LIVRE/PCP/BE) o Projeto de Lei nº 47/XVI/1ªS intitulado “Proíbe a ocultação do rosto em espaços públicos, salvo determinadas exceções”. A ‘exposição de motivos’ assentou genericamente numa ampla variedade de considerandos, desde referências à dimensão laica do Estado e alusão comparativa de países onde uma tal proibição vigora, passando pelas exigências de liberdade e segurança, culminando mesmo numa referência à dignificação da mulher.
O diploma não consegue, todavia, ocultar que basicamente o seu alvo é atingir a prática islâmica do uso da ‘burka’, destinada a ocultar o rosto da mulher. A este propósito, o Projeto, alude a uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a qual considerando legítima uma tal proibição, ressalva, todavia que cabe à sociedade (entenda-se, cada país) decidir se o tal uso deve ou não ser proibido.
Sobre o projeto, o Conselho Superior do Ministérios Público (CSMP) emitiu Parecer concluindo que “tanto os objetivos gizados, como as normas propostas, patenteiam questões jurídicas que comprometem a sua conformidade e respeito pelos preceitos constitucionais e legais”. Na sua apreciação exegética, o Parecer realça que o Projeto de lei não concretiza a necessidade dessa proibição e que ao falar do perigo à segurança pública não indica qualquer dado factual ou fundamento lógico para justificar uma tal proibição. Do ponto de vista sistemático, o regime sancionatório previsto no tal projeto nem sequer indica o tipo legal de contraordenação nem a autoridade competente para a aplicar.
Aprovado o Projeto na generalidade, segue-se agora ara a sua apreciação na especialidade, onde, admitindo que o bom senso reine, poderá ser expurgado dos seus exageros, anomalias e excrescências, a começar desde logo pelo formato exagerado da Exposição de Motivos. Vejamos:
*Portugal não está vinculado a seguir outros países europeus adeptos da proibição.
*A ocultação do rosto humano em modo de indumentária, enquanto prática pessoal, não ofende ninguém, nem coloca em perigo qualquer bem pessoal ou material, não podendo por isso ser punida nem como crime nem como contraordenação.
*O Alcorão, não preconiza a Burca reportando-se tão só ao Hijab – cobertura dos cabelos e pescoço com rosto visível, tipo de veste adotado pelas outras religiões do Médio Oriente (Judaísmo e Cristianismo) representado ainda hoje no hábito das freiras e das mulheres muçulmanas.
* O ‘tapa face’ tem uma dimensão social. Não estando preconizado no Alcorão, reflete um desvio de natureza profana (proteger a mulher do olhar concupiscente) transformado num costume.
* Dada a natureza costumeira de que se reveste o uso de burka, sempre dependente da vontade da utente, não é, portanto, com a sua proibição que se defende a liberdade ou um direito da mulher; antes pelo contrário, a atinge no seu direito de identificação pessoal constitucionalmente respeitado.
*Dada a raridade do seu uso em Portugal, não sendo conhecido qualquer incidente gerador de insegurança neste domínio, a polícia dispõe, em casos de suspeita, de meios próprios para assegurar a segurança (da mesma forma como poderia convidar um motociclista com capacete e viseira usadas para se identificar).
Do exposto, e salvo o devido respeito, não fora a aprovação na generalidade e o Projeto ficaria reduzido a um quase nada. Mas, é na discussão na especialidade que o diploma pode e deve ser controlado, ora por rejeição, ora, expurgando-o das suas excentricidades, nomeadamente libertando-o do seu carácter provocatório contra a imigração e o islamismo. A circunstância de ter sido aprovada por uma maioria de 70 deputados, não isenta o projeto da suspeição do vicio de inconstitucionalidade material como aliás vem assinalado no Parecer do CSMP.
O rosto humano é a parte fundamental de identidade. Pode-se esconder o rosto por mais diversos motivos – pelo anonimato, para a prática de crime ou costume, e quaisquer outros motivos. Em democracia não se podendo punir a ‘intenção’, a mera ocultação de face desacompanhada de factualidade antissocial não é suscetível de ser perseguida.
Lx- 21.110.2025
António Bernardo Colaço
(juiz-conselheiro jubilado do STJ)
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