Por
Gazeta Paços de Ferreira

20/11/2023, 0:00 h

593

Os Últimos do Estado Novo – Uma visão sobre os derrotados (2.ª Parte)

Cultura Opinião

CULTURA

Ao longo desta aliciante leitura, não se sentem quaisquer tendências para incriminar ou mesmo para desculpar quem quer que seja. Há, ao longo de toda a obra, uma notória isenção por parte do autor. Ele questiona, relata, cita documentos e entrevistas, pelo que o leitor terá sempre a possibilidade de muito bem ajuizar a história, agora que toma conhecimento de todos os contornos.

Por Telmo Nunes (Colunista)

CULTURA

 

 

Não raras vezes, para não arriscar todos os anos, ouvimos que a comemoração da efeméride se encontra gasta, que já não prende a atenção nem motiva a participação dos mais jovens, que são sempre os mesmos intervenientes, tendência que poderia ser contrariada se o ensino desta importantíssima página da nossa história se assumisse um pouco mais completa, lançando os dois lados da contenda aos jovens alunos, relatando-lhes todos os pormenores que se vieram a assumir de grande relevo, como corajosamente o faz José Pedro Castanheira, assumindo, desde logo, que não se cansa «de dizer que o mundo, na vida, na história e, portanto, no jornalismo, como relato que deve ser da realidade e do quotidiano, há muito mais cores e matizes para além do preto e do branco (…)». Dar voz aos outros, àqueles que não venceram, não significa glorificá-los, muito menos dar-lhes razão.

 

 

Ao longo desta aliciante leitura, não se sentem quaisquer tendências para incriminar ou mesmo para desculpar quem quer que seja. Há, ao longo de toda a obra, uma notória isenção por parte do autor. Ele questiona, relata, cita documentos e entrevistas, pelo que o leitor terá sempre a possibilidade de muito bem ajuizar a história, agora que toma conhecimento de todos os contornos.

 

 

Outra das grandes vantagens deste volume é a vivacidade impregnada na própria leitura, sobretudo, pelo recurso e integração de diversas tipologias de texto. Há, naturalmente, o narrativo, com peças jornalísticas ricas e de elevado valor histórico, o descritivo, com inclusão de trechos absolutamente incríveis, destacando-se dois, por muitos, completamente desconhecidos: o episódio da rendição de Marcello Caetano, que pega numa arma sugerindo o seu próprio suicídio, caso o poder não fosse entregue a Spínola e, o melhor deles todos, a última entrevista de Oliveira Salazar, concedida a Roland Faure, destacado jornalista francês que já o entrevistara antes por duas vezes, tendo o caudilhe assumido que ainda era o Presidente do Conselho, quando, na prática, já havia sido substituído em setembro de 1968, portanto, vários meses antes, encontrando-se o velho ditador a viver, desde então, uma farsa encenada por todos quantos o rodeavam, membros do Governo inclusivamente. A contribuir para a cadência da leitura, destaca-se ainda uma fabulosa entrevista a Pedro Feytor Pinto – o último porta-voz de Marcello Caetano –, de onde sobressai a pertinácia e o arrojo de um homem fiel ao regime e preocupado com as questões mais prementes do seu tempo: a Guerra do Ultramar e as relações internacionais de Portugal. Ainda nesta entrevista e de elevado grau de interesse, é a sua perspetiva sobre os acontecimentos ocorridos em Moçambique, no final de 1972, naquele que ficou conhecido como o Massacre de Wiryamu, um horrendo vexame internacional para Portugal, e do qual, incompreensivelmente, ainda hoje pouco se fala…

 

 

ASSINE A GAZETA DE PAÇOS DE FERREIRA

 

 

De interesse suplementar, refira-se ainda a possibilidade que o autor concedeu a antigos presos políticos, para que estes pudessem, anos depois, colocar perguntas diversas aos seus carcereiros, nomeadamente a Eduardo Fontes, o último diretor do campo do Tarrafal. As respostas são singulares, e conduzem o leitor à dúvida, pelo que se reitera o interesse de se escutar ambos os lados da contenda.

 

 

Já o capítulo “Os Últimos Presos Políticos” oferece diversas vantagens, mas destaca-se a ignomínia de que eram capazes alguns agentes da PIDE que, mesmo sabendo da queda do regime, procuraram extorquir avultadas maquias aos presos que ainda mantinham sob custódia e isto, mesmo sabendo que, em breves horas, os teriam de libertar.

 

 

De “O Último Governo da Ditadura” extrai-se informação muito vasta sobre o destino das 36 pessoas que integravam o dito elenco governativo, Marcello Caetano, inclusivamente. É um trabalho um pouco mais exaustivo, embora em nada maçador, pelo contrário, e que nos dá a perspetiva não apenas dos receios daqueles que perderam, mas também da condescendência e do humanismo dos que tomaram posse. Aliás, torna-se muito interessante perceber a abertura do novo estado democrático ante alguns dos protagonistas da caída ditadura, integrando-os em cargos públicos e alguns de grande destaque nacional.

 

 

Uma palavra breve de reconhecimento pela disponibilização de bastos registos fotográficos, grande parte deles integrante de arquivos particulares, pelo que, não fosse o profissionalismo do autor, certamente nunca chegariam ao conhecimento do público. De registo ainda a completude do índice onomástico, que, por certo, tanto jeito trará a quem se debruce sobre este livro numa perspetiva de estudo mais aprofundado.

 

 

Está de parabéns o autor pela compilação de todos estes trabalhos, alguns agora melhorados e aumentados, contribuindo desta forma tão enriquecedora e rigorosa para aclarar dúvidas, desfazer imbróglios ou, pelo menos, para lançar novas perspetivas sobre o desenrolar dos acontecimentos deste importantíssimo naco da história recente do nosso País.

 

 

José Pedro Castanheira, Os Últimos Do Estado Novo, Tinta da China, 2023



 

 

 

Opinião

Opinião

Risoterapia para mais alegria no dia-a-dia

22/06/2025

Opinião

A Juventude Não Está Adormecida: Está a Despertar

22/06/2025

Opinião

Rostos da proximidade, o início de um novo ciclo nas Freguesias

22/06/2025

Opinião

Existir ou eventualmente não…

22/06/2025