20/11/2023, 0:00 h
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CULTURA
Por Telmo Nunes (Colunista)
CULTURA
Não raras vezes, para não arriscar todos os anos, ouvimos que a comemoração da efeméride se encontra gasta, que já não prende a atenção nem motiva a participação dos mais jovens, que são sempre os mesmos intervenientes, tendência que poderia ser contrariada se o ensino desta importantíssima página da nossa história se assumisse um pouco mais completa, lançando os dois lados da contenda aos jovens alunos, relatando-lhes todos os pormenores que se vieram a assumir de grande relevo, como corajosamente o faz José Pedro Castanheira, assumindo, desde logo, que não se cansa «de dizer que o mundo, na vida, na história e, portanto, no jornalismo, como relato que deve ser da realidade e do quotidiano, há muito mais cores e matizes para além do preto e do branco (…)». Dar voz aos outros, àqueles que não venceram, não significa glorificá-los, muito menos dar-lhes razão.
Ao longo desta aliciante leitura, não se sentem quaisquer tendências para incriminar ou mesmo para desculpar quem quer que seja. Há, ao longo de toda a obra, uma notória isenção por parte do autor. Ele questiona, relata, cita documentos e entrevistas, pelo que o leitor terá sempre a possibilidade de muito bem ajuizar a história, agora que toma conhecimento de todos os contornos.
Outra das grandes vantagens deste volume é a vivacidade impregnada na própria leitura, sobretudo, pelo recurso e integração de diversas tipologias de texto. Há, naturalmente, o narrativo, com peças jornalísticas ricas e de elevado valor histórico, o descritivo, com inclusão de trechos absolutamente incríveis, destacando-se dois, por muitos, completamente desconhecidos: o episódio da rendição de Marcello Caetano, que pega numa arma sugerindo o seu próprio suicídio, caso o poder não fosse entregue a Spínola e, o melhor deles todos, a última entrevista de Oliveira Salazar, concedida a Roland Faure, destacado jornalista francês que já o entrevistara antes por duas vezes, tendo o caudilhe assumido que ainda era o Presidente do Conselho, quando, na prática, já havia sido substituído em setembro de 1968, portanto, vários meses antes, encontrando-se o velho ditador a viver, desde então, uma farsa encenada por todos quantos o rodeavam, membros do Governo inclusivamente. A contribuir para a cadência da leitura, destaca-se ainda uma fabulosa entrevista a Pedro Feytor Pinto – o último porta-voz de Marcello Caetano –, de onde sobressai a pertinácia e o arrojo de um homem fiel ao regime e preocupado com as questões mais prementes do seu tempo: a Guerra do Ultramar e as relações internacionais de Portugal. Ainda nesta entrevista e de elevado grau de interesse, é a sua perspetiva sobre os acontecimentos ocorridos em Moçambique, no final de 1972, naquele que ficou conhecido como o Massacre de Wiryamu, um horrendo vexame internacional para Portugal, e do qual, incompreensivelmente, ainda hoje pouco se fala…
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De interesse suplementar, refira-se ainda a possibilidade que o autor concedeu a antigos presos políticos, para que estes pudessem, anos depois, colocar perguntas diversas aos seus carcereiros, nomeadamente a Eduardo Fontes, o último diretor do campo do Tarrafal. As respostas são singulares, e conduzem o leitor à dúvida, pelo que se reitera o interesse de se escutar ambos os lados da contenda.
Já o capítulo “Os Últimos Presos Políticos” oferece diversas vantagens, mas destaca-se a ignomínia de que eram capazes alguns agentes da PIDE que, mesmo sabendo da queda do regime, procuraram extorquir avultadas maquias aos presos que ainda mantinham sob custódia e isto, mesmo sabendo que, em breves horas, os teriam de libertar.
De “O Último Governo da Ditadura” extrai-se informação muito vasta sobre o destino das 36 pessoas que integravam o dito elenco governativo, Marcello Caetano, inclusivamente. É um trabalho um pouco mais exaustivo, embora em nada maçador, pelo contrário, e que nos dá a perspetiva não apenas dos receios daqueles que perderam, mas também da condescendência e do humanismo dos que tomaram posse. Aliás, torna-se muito interessante perceber a abertura do novo estado democrático ante alguns dos protagonistas da caída ditadura, integrando-os em cargos públicos e alguns de grande destaque nacional.
Uma palavra breve de reconhecimento pela disponibilização de bastos registos fotográficos, grande parte deles integrante de arquivos particulares, pelo que, não fosse o profissionalismo do autor, certamente nunca chegariam ao conhecimento do público. De registo ainda a completude do índice onomástico, que, por certo, tanto jeito trará a quem se debruce sobre este livro numa perspetiva de estudo mais aprofundado.
Está de parabéns o autor pela compilação de todos estes trabalhos, alguns agora melhorados e aumentados, contribuindo desta forma tão enriquecedora e rigorosa para aclarar dúvidas, desfazer imbróglios ou, pelo menos, para lançar novas perspetivas sobre o desenrolar dos acontecimentos deste importantíssimo naco da história recente do nosso País.
José Pedro Castanheira, Os Últimos Do Estado Novo, Tinta da China, 2023
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