Por
Gazeta Paços de Ferreira

21/01/2021, 20:01 h

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POR UMA POLÍCIA CONSTITUCIONAL OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR

1 - Os recentes acontecimentos envolvendo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) vieram espoletar, com mais vivacidade, a problemática do modelo policial português e serviços correlacionados. O assunto densificou-se com as declarações do Presidente da República (PR) equacionando a eventual extinção do SEF. As funções seriam exercidas pela PJ, enquanto a vigilância das fronteiras ficaria a cargo da PSP e da GNR. Mais recentemente, o Sr. Diretor Nacional da PSP (DNPSP) numa audiência ao PR veio noticiar estar em curso a criação de uma Polícia Nacional, a qual integraria a PSP e o SEF, declaração esta que seria posta em causa pelo Ministro de Administração Interna (MAI), por o anúncio de uma remodelação dessa envergadura não caber a um Diretor de Polícia. Declarações posteriores do Primeiro-Ministro desfizeram algumas das especulações postas a circular.

Deste imbróglio a única coisa que se pode dizer é que em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Só que no caso concreto, ninguém parece ter razão, apesar de não faltarem organizações policiais.

É espantoso como um caso envolvendo o SEF e que ocorreu há cerca de 9 meses, gere, só agora, um tão grande rebuliço no domínio Polícia, a ponto de se suscitar, sem mais, a extinção de um serviço, sob anúncio de instâncias responsáveis desde o PR, passando pelo envolvimento do Director Nacional da PSP – tudo isto, sem que ainda se saiba o desfecho do caso, ora em julgamento!

A relevância do assunto torna-se ainda mais candente se tivermos em conta que o SEF é um serviço de polícia que controla as entradas e saídas de pessoas do país, o que não deixa de gerar uma certa apreensão numa altura em que Portugal irá assumir a Presidência da EU, já em janeiro de 2021.

2 – A problemática de organização de Forças e Serviços de Segurança (FSS) em Portugal, quando a mesma se colocar com a devida seriedade, não será tarefa fácil. A questão de pulverização de corpos de polícia para um país pequeno como o nosso não é de hoje. Muito já se tem escrito e divulgado sobre a questão. É só consultar as múltiplas iniciativas dos respetivos sindicatos e associações profissionais, tanto de polícia como militares. Porém, interesses de vária ordem, entre os quais se destacam a detenção e o exercício do poder, os compromissos assumidos ante instâncias e organismos algo comprometidos, a sua direcção e controlo pelo sector militar, têm impedido que se encetem esforços para alcançar uma solução que seja de verdadeiro interesse nacional, conformado constitucionalmente. Porém, ao que parece, o objetivo de manter as coisas tal como estão, bate certo com a mentalidade dos que optam pela manutenção das coisas porque funcionam, pouco importando saber se vale a pena ou não.

É assim que as soluções surgem de forma repentina, como é o caso do SEF, pouco ou nada se avançando numa análise mais aprofundada do problema e indagando se, afinal, toda a orgânica policial carece, não de uma política de tapa-furos ou de uma inovação integral conforme com a Constituição da República Portuguesa (CRP). Quanto a nós deve valer a segunda opção.

3 - Como ponto de partida, importa sublinhar que se de unificação de policias se trata, há que atender que esta pode revestir diversos formatos - de fusão, justaposição, integração e inovação, podendo estas serem de aplicação isolada, parcelar, conjunta ou mesmo única.

Tendo em conta a realidade do nosso país, expressa na Constituição da República Portuguesa (CRP), importa ter em conta que nenhuma unificação poderá ser levada a cabo sem que, no plano imediato, seja assegurado o estatuto civil dos corpos policiais, nomeadamente da GNR e da Polícia Marítima. É por isso que a nomeação do Tenente-general Botelho Miguel dá um sinal ao contrário daquilo que se impunha, não porque o cidadão em causa não possa ter qualidades para assumir a reestruturação que se impõe e o faça com eficácia, mas porque em matérias com a sensibilidade de que esta se reveste os sinais que transmite não são despiciendos. Aliás, o mesmo se poderia dizer do Brigadeiro-general Duarte Costa na Protecção Civil, com o acrescido registo de aparecer, em regra, fardado como militar, sendo que o cargo que ocupa e as funções que exerce o não são.

A manutenção destes equívocos, desde logo do ponto de vista da imagem e da percepção, para utilizar uma palavra em voga, alimentarão rivalidades em matéria de duplicação de serviço, de atribuições, de funções e de competências onde o que sobra é a «vã gloria de mandar», como foi o recentemente caso do navio adquirido pelo Estado para a GNR, gerando nomeadamente crítica por parte de oficiais da Armada e a publicação de um artigo de opinião por parte do Sr. Ministro de Defesa Nacional. A verdade é que ao longo dos anos se foram somando policias e serviços de segurança sem clarificar coisa nenhuma. Vejam-se, igualmente, os casos da Unidade Fiscal da GNR, da ASAE e da Autoridade Tributária. Ora, embora o Primeiro-Ministro tenha afastado nas suas declarações essa reflexão global, insiste-se que isso é aquilo que se impõe. A pressa em mexer no SEF para responder a dinâmicas em desenvolvimento na União Europeia (UE) não pode, e não deve, sacrificar aquilo que importa para Portugal. Também nesta matéria se impõe o exercício da soberania.

Por outro lado, numa altura em que se inicia a campanha para as presidenciais e a Presidência Portuguesa da UE, seria interessante conhecer a posição dos candidatos, quais guardiões dos valores que a CRP integra e impõe, com particular destaque para o actual PR, também candidato e que teve muitos anos para se debruçar sobre a temática.

É mesmo bom saber o que os candidatos defendem quanto à constitucionalidade de corpos policiais como a GNR e a Polícia Marítima, as quais, configuradas como Forças de Segurança, são militarizadas, estatuto que, em termos da função exercida, contraria frontalmente o artigo 272.º da CRP.

Antonio Colaço

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