30/11/2020, 16:22 h
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Muito recentemente a discussão sobre a pobreza e sobre os pobres voltou à “espuma dos dias”, sobretudo pela mão do líder do PSD, pressionado pelo acordo de governação Açoriano e a reboque da sua necessidade de defender o indefensável. Defender o indefensável porque os cortes nos apoios sociais não podem partir de medidas abstratas e burocráticas, mas da realidade concreta. Depois, porque quando se coloca a questão entre quem defende a suposta subsidiodependência e quem defende a obrigatoriedade dos beneficiários do RSI trabalharem, faz uso da retórica vulgar e do populismo maniqueísta e extremista. Ninguém, no seu perfeito juízo, preferirá pessoas dependentes da ação social a pessoas autonomizadas pelo trabalho.
Mas, ainda porque assumir a pobreza como uma relação causal e assente no primado da vontade individual, é o equivalente a assumir que o cancro do pulmão nos fumadores é o resultado da vontade destes em o contraírem. Por acaso não é! É bem pior, pois enquanto uns conformam-se com essa possibilidade assumindo um fator de risco para o efeito, os outros, na sua maioria, a única responsabilidade que tiveram na sua condição de pobres foi somente terem uma origem social garante de menores oportunidades ou serem atingidos por um qualquer evento inesperado.
A pobreza é, a forma mais extremada da desigualdade social que implica a privação de recursos económicos fundamentais. Quando abordamos a problemática do RSI e os seus beneficiários é bom que tenhamos em consideração que estamos a falar de pobreza absoluta e da dificuldade de sobrevivência. Mas, também que dentro dos beneficiários do RSI, há pessoas que estão bastante dependentes dos serviços de ação social e que ainda têm vontade e força para adquirir trabalho, que há pessoas que já quase desistiram de o fazer acomodando-se à situação e vendo-se a si mesmo como pobre e sem força para negociar o seu estatuto de pobre e há pessoas que já se adaptaram de tal forma a essa situação que já não conseguirão sair da mesma sem ajuda. Todos podem e devem ser intervencionados, com respeito e dignidade, mas não considerados da mesma forma.
No entanto, o centro-direita repentinamente fez (re)emergir, na sociedade Portuguesa, um discurso sectário que enferma de enviesamentos vários e como tal não estamos perante um discurso sério, mas perante uma retórica defensiva com consequências perigosas que não próprias da social-democracia nem sequer da direita democrata cristã.
Com esta narrativa, mais uma vez, lança-se o anátema sobre os mais frágeis recuperando o ideário típico do sec. XIX que considerava os pobres e os loucos, classes perigosas a merecerem a perseguição e, mesmo, a prisão.
Findo isto, a questão que se coloca é se devemos olhar para a pobreza contemplando-a romanticamente e encarando qualquer intervenção mais assertiva sobre a mesma como um atentado à liberdade individual de quem a sofre, como parece uma certa esquerda defender ou, no outro extremo, se é legitimo lançar um estigma sobre quem vive o infortúnio do desemprego como Rui Rio e a extrema-direita xenófoba, racista e sectária parecem interessados em o fazerem.
A solução não se situa num ou noutro patamar e terá que surgir da própria economia que apoiada pela intervenção estatal possa criar oportunidades de emprego, coadjuvados com programas de ação concretos e avaliados e que permitam a integração laboral e qualificada das populações, especialmente em contextos excluídos e ancestralmente segregados. Tal contempla a boa fiscalização da aplicação das medidas de política social e o acompanhamento contratual pelos serviços de ação social, e sobre isto não deve haver qualquer preconceito ideológico, sob pena destes apoios serem socialmente incompreendidos, mesmo sendo escassos. Já agora, a mesma fiscalização que não é feita sobre os mais diversos setores da economia que gerem, mal, milhões.
Entre o promovermos assistidos de carreira ou perseguirmos os mais pobres, há o meio-termo que implica atuar sobre a pobreza de forma informada e séria e até aceitando que há casos em que mais não há a fazer do que apoiar sem especiais contrapartidas no médio, longo ou eterno prazo.
De outra forma, porque não se pensar na esterilização dos pobres das várias Ribeiras da Pena de Portugal, estratégia que garantiria a diminuição dos beneficiários do RSI no longo prazo, pela certa. A triste verdade é que não estamos muito longe desse discurso!
Marcos Taipa Ribeiro
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