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Gazeta Paços de Ferreira

08/07/2023, 0:00 h

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A vaca de fogo

Opinião Ricardo Neto

OPINIÃO

Estas práticas, muito provavelmente, foram trazidas e tiveram grande influência na Península Ibérica, e assim apareceram na tauromaquia, os touros com os chifres em fogo, chamados em Espanha de toros embolados.

Ricardo Jorge Neto

 

’À porta daquela igreja
Vai um grande corrupio
Às voltas de uma coisa velha
Reina grande confusão’’

Foi há quase 30 anos, que o grupo Madredeus se apresentou ao mundo, com uma sonoridade nova, que os levou aos maiores palcos mundiais.

No álbum de estreia em 1987, Pedro Ayres Magalhães escreveu a letra da música ‘’A vaca de fogo’’, de onde retirei os versos iniciais, e que se tornou no primeiro grande êxito do grupo.

Apesar do excelente acolhimento da música pelo público, a maioria das pessoas no país, não teve e ainda não tem, a noção real do que tratava a música: a vaca de fogo!

Desconhecida por muitos, e desvalorizada por outros, a vaca de fogo, símbolo das Sebastianas em Freamunde, foi engolida pelo tempo e colocada num sótão, onde apenas a memória a consegue fisgar.

Hoje, em plena festividade de São Sebastião, importa fazer um pequeno exercício de recuperação e valorização da vaca de fogo, para deslindar a grande confusão sobre as vacas de fogo, que estão muito longe de ser um mero artefacto pirotécnico.

Recuemos então até às antigas civilizações, para recuperar dois grandes símbolos: o fogo e o touro.

O fogo é um dos quatros elementos da antiguidade, juntamente com o ar, a água e a terra. A cada um destes elementos, está associado uma das quatro estações, sendo o Verão caracterizado pelo fogo.

Desta forma, antes do Judaísmo e do Cristianismo, a vinda do solstício de Verão era festejada com fogo, que simbolizava a destruição do mal, e o renascer da vida.

Desta forma, é compreensível, e bastante lógico, que as festas de Verão sejam caracterizadas pelo fogo até aos dias de hoje.

Mesmo o próprio Cristianismo soube acolher esta prática, com a festa de São João, onde o fogo está presente na tradição dos saltos sobre as fogueiras. A data de 24 de junho, não foi determinada inocentemente, primeiro porque é das raras festas onde se celebra o nascimento e não a morte, e porque esta data deriva directamente do nascimento de Jesus, logo a seguir ao solstício de inverno.

 

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O touro, por sua vez, é um símbolo com raízes longínquas no tempo. O planeta Terra para além do movimento de translação sobre o Sol, e de rotação sobre si, também tem uma oscilação do seu eixo ao longo do tempo.

Se colocarmos uma linha que passe pelos polos da Terra, esta apontará para uma das constelações visíveis da Terra. Hoje o seu eixo aponta para a constelação de Peixes, por isso estamos na Era de Peixes, anteriormente apontava para Carneiro, e antes deste, para a constelação de Touro.

Durante a Era de Touro, este animal foi motivo de religiosidade e de arte. Quando Moisés desceu do monte com os Dez Mandamentos, o povo tinha fundido um bezerro ou touro de ouro, e Moisés exclamou que estavam a adorar um falso Deus, ou seja, ele trouxe com as tábuas, a nova Era, a Era de Carneiro.

A partir daí, o carneiro, o cordeiro e o pastor, dominaram a cultura judaica, que tem grande influência sobre nós, e o Touro passou para segundo plano.

Contudo o impacto da cultura taurina ficou para sempre, quer nos mitos, como o Minotauro ou o touro de Creta, quer nas festas, com o touro a ocupar até hoje um lugar central, como são exemplos as touradas, as largadas de touros, e outras práticas bem perigosas!

A importância e a convivência milenar destes dois símbolos, tornam normal e lógico, o surgimento de manifestações envolvendo os dois elementos em conjunto.

 Os relatos históricos não são muitos, mas sabemos que povos como os fenícios e outros, utilizaram touros e vacas em fogo para fins militares. Conhecendo a localização dos acampamentos do inimigo invasor, durante a noite, ateavam fogo aos cornos dos touros, e colocavam outros artefactos de fogo, sobre o dorso dos animais, para depois os lançam em correria, varrendo o acampamento adversário. Ao esbarrar com o inimigo, iam incendiando tudo, provocando o caos e muitas mortes.

Estas práticas, muito provavelmente, foram trazidas e tiveram grande influência na Península Ibérica, e assim apareceram na tauromaquia, os touros com os chifres em fogo, chamados em Espanha de toros embolados.

Estes actos, sem qualquer sentido nos dias de hoje, continuam a ser praticados em Espanha, na região de Valência, sendo um ato de grande crueldade sobre o animal, provocando-lhe cegueira, e morte.

Com o tempo e noutras regiões, estes espectáculos de grande sofrimento animal, foram substituídos, por aquilo que na nossa região chamamos de Vaca de Fogo.

O animal foi trocado por uma espécie de caixa, carregada de munições pirotécnicas, conduzida por homem destemido, que corre pelas ruas, perseguindo os foliões… e os mais distraídos. A vaca de fogo é uma tradição muito enraizada na cultura Ibérica, que se expandiu pela América Latina, onde o México é referência com os seus toritos de fuego, uma vaca de fogo gigante, que lança centenas e centenas de ‘’bichas’’.

 

 


 

 

Em Espanha, ainda existem touros com os chifres em chamas, existem touros mortos na arena, existem touradas, e existem vacas de fogo. Em Portugal, apesar de em 2018, em Benavente se ter tentado sem sucesso, não existem touros com chifres em fogo, mas temos touros de morte, e temos touradas… contudo a vaca de fogo que é o objecto que veio substituir o uso do animal, dando uma evolução à tradição há centenas de anos, foi banida na nossa região! Portugal e Espanha fazem parte duma mesma comunidade de países, e é pouco compreensível, como se continua a torturar e a matar animais na arena, para regozijo das falanges, e se extingue uma tradição como a vaca de fogo!

Chegou a hora, de alguém dizer: onde está o sentido disto tudo?
Chegou a hora, da tradição voltar! Se o problema é a falta de segurança, que se retirem ‘’as bichas’’! E de seguida, que se retirem os touros das arenas…
Quero que os nossos ‘putos’ possam ouvir a música dos Madredeus, e entendam este verso:
’Os putos já fogem dela
Deitam fogo a rebentar
Soltaram uma vaca em chamas
Com um homem a guiar’’

Ricardo Jorge Neto

 

 

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