01/06/2021, 1:05 h
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No nosso cotidiano presos no trânsito sempre engarrafado das redes sociais, somos constantemente presenteados por partilhas de citações. Frases curtas e generalistas, que fazem com que os mais variados utilizadores as partilhem por sentirem uma simbiose perfeita entra a citação e o seu estado de espírito no momento.
Parece que os autores das frases dedicam o seu tempo a estudar a vida de cada um, para depois criarem uma linda frase para o sentimento de cada momento.
Mas a verdade é que as frases, que parecem ter sido feitas à medida de cada um, são apenas palavras que todos nós gostamos de ouvir e validam as nossas ânsias e os nossos desejos naquele momento.
Mas há algo nestas partilhas que, por vezes, me incomoda.
Não é a partilha em si, nem é o seu conteúdo, mas sim a atribuição da citação.
Para que a frase ganhe notoriedade no formigueiro das redes sociais, os criadores da publicação da citação, na ânsia de fazer proliferar a adesão às suas páginas com partilhas, para além de juntarem uma linda imagem, inventam um autor com muito crédito na sociedade para a citação, como o físico Albert Einstein ou mesmo o Papa Francisco.
Esta semana voltei a ver a seguinte citação, supostamente escrita por Fernando Pessoa: ‘’Pedras no caminho? Guardo-as todas, um dia vou construir um castelo!’’
Contudo, esta citação é - lhe falsamente atribuída, e continua a rodar no carrossel da internet, milhares e milhares de vezes, sem que Fernando Pessoa tivesse comprado uma única ficha desta frase.
Mesmo com uma personalidade tão multiplicada, o poeta (e os seus heterónimos), que tanto escreveu sobre tanta coisa, nunca escreveu sobre as pedras que encontrou no caminho, como fez Carlos Drummond de Andrade, que apenas a observou e não a apanhou.
A frase encaixa perfeitamente em qualquer pessoa, que tenha sofrido uma adversidade na vida, e se atribuirmos a frase a Fernando Pessoa, ela torna-se muito apetecível de partilhar ou viral.
Eu não sei se as pedras, que apanhamos no caminho, um dia darão para construir um castelo, mas sei que as redes sociais estão a criar um reino de pessoas sem espírito crítico, que consomem tudo sem questionar, e reagem conforme os programadores projectam.
O objectivo é que se leia fugazmente, e que se reaja instantaneamente. Nunca o mundo leu tanto, com tão pouca interpretação.
Na Turquia, os homens da recolha do lixo de Ancara não juntam as pedras, que encontram no caminho, mas apanham e guardam todos os livros, que encontravam no lixo.
Um dia, decidiram construir uma biblioteca para eles e para as suas famílias. A popularidade desta biblioteca aumentou tanto que foi necessário contratar alguém para gerir o espaço, e até as escolas e as prisões locais começaram a requisitar-lhes livros. Actualmente a biblioteca está aberta ao público em geral.
É curioso observar que enquanto o mundo se hipnotiza na superficialidade dos conteúdos vazios da rede social, este desperdiça a profundidade dos livros no lixo.
Felizmente o exemplo dos lixeiros de Ancara dão um alento à Humanidade, que no seu caminho vai juntando pedras, sim!
Mas para um dia construir um castelo de livros!
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